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À direita, caiados de branco, os dois primeiros edifícios da escola primária da vila da Póvoa |
PARTE I
Introdução
Durante séculos, o ensino, mesmo ao seu nível mais básico, foi um
bem a que apenas alguns poucos tiveram acesso. Os conventos foram o local de
eleição para se aprender a ler, a escrever e a contar, coexistindo com eles as
aulas particulares lecionadas por mestres-escola que ensinavam, sobretudo, os
filhos das elites, especialmente os rapazes pois as meninas eram mantidas, na
sua esmagadora maioria, “convenientemente” iletradas.
É-nos, aliás, hoje muito difícil fazer sequer
uma pequena ideia da reduzida quantidade de pessoas que já nos finais da
centúria de setecentos sabia ler e escrever. E, no entanto, passaram apenas
pouco mais de dois séculos. A esta distância (duzentos anos, muito tempo para
uma simples vida mas período muito curto na larguíssima “agenda” da História),
mais difícil se nos torna entender que, mesmo nos centros mais evoluídos da
Europa, a leitura de livros e periódicos se processasse muitas vezes em voz
alta por quem o soubesse fazer, perante plateias que, podendo ser até constituídas
por indivíduos possuidores de muitos bens de fortuna, permaneciam iletrados.
Para os finais do século XVIII, em França, Philippe Ariès fala numa outra
inovação que começava a ganhar adeptos e que, hoje, nos parecerá porventura
ridículo que fosse ainda uma técnica por poucos dominada, habituados que
estamos à evolução das últimas décadas: o da leitura na intimidade, que
permitia uma reflexão solitária.
Mas, mesmo para muitos daqueles que, já em pleno século XIX frequentavam
escola, ler em casa, de forma solitária, significava muitas vezes soletrar
apenas, obrigados a uma, duas, três leituras da mesma frase até compreenderem a
mensagem que o texto comportava.
É verdade que, nos finais da centúria de
setecentos, nas grandes metrópoles da Europa, onde as escolas cresceram em
grande número e os processos de instrução se aprofundaram, especialmente após
os “ventos de mudança” levantados pela Revolução Francesa e pelas grandes
alterações políticas que se lhe seguiram, a prática da leitura (e da escrita)
evoluiu com rapidez. O mesmo não aconteceu em Portugal onde, apesar do
pronunciamento de 1820 e do interesse na divulgação das ideias novas defendida
pelos Liberais que após a revolução ascenderam ao poder, o processo de
aprendizagem foi bastante mais lento, quer por efeitos da guerra civil que se
lhe seguiu, quer pelo facto de o primeiro Liberalismo ser profundamente
elitista. Em 1867, de 757.000 crianças dos 7 aos 15 anos registadas no nosso
país, havia ainda cerca de 600.000 que nunca tinham ido a escola.
As coisas viriam a melhorar
significativamente a partir da década de 1850, mas essa melhoria notou-se
especialmente em cidades como Lisboa, Porto e Coimbra, onde surgiu em força uma
classe de letrados. Ao contrário, no interior do país, essencialmente rural,
estava já bem avançado o último quartel do século XIX e era ainda muito
reduzido o número de pessoas que sabiam ler e escrever. Em 1878, Lisboa
apresentava uma taxa de analfabetismo que ia dos 70 e aos 75 por cento,
enquanto no distrito de Braga essa taxa andava pelos 85%.
A Póvoa de Lanhoso foi, até meados do último
quartel do século XIX, um desses concelhos rurais, uma dessas terras perdidas
num Portugal agreste onde tirando as cidades capitais de distrito, a esmagadora
maioria da população se dedicava à agricultura e vivia fechada à aprendizagem
das letras mais básicas.
Na sua tese de mestrado sobre o papel do
administrador do concelho José Joaquim Ferreira de Melo e Andrade na Revolução
da Maria da Fonte,
Paulo Alexandre Ribeiro Freitas dá a público um conjunto de tabelas que nos
permitem conhecer um pouco da realidade povoense até agora inédita: em 1836,
entre uma população de 1.177 indivíduos residentes na freguesia de Fonte
Arcada, a mais desenvolvida das que compunham o concelho, apenas setenta e
cinco eram eleitores. Destes, quatro eram advogados, cinco dedicavam-se a
ofícios vários, havia um cirurgião e um juiz, três escrivães e outros tantos
militares e padres, dois eram professores, dois vendeiros ou negociantes, um
pensereiro, sendo que o maior número dos recenseados eram proprietários, onze
no total, e lavradores, em número de trinta e nove.
Na mesma data (1836) e segundo o referido autor,
para um total de 8.156 habitantes no concelho, à época composto por apenas
catorze freguesias,
existiam somente 255 eleitores. Menos de uma década volvida, para o mesmo
número de freguesias, os eleitores recenseados haviam subido para 356, ainda
assim uma percentagem reduzida para o todo concelhio.
Convém dizer-se que, pelo articulado do
Código Administrativo de 1842, eleitores não eram apenas, como viria a
acontecer anos mais tarde, os que sabiam ler e escrever. Eram antes os que
pagavam determinado montante em impostos.
Mas não andaremos longe da verdade se dissermos que a diferença entre o número
dos cidadãos que pagavam impostos e podiam por isso recensear-se, tornando-se
eleitores, e o dos que sabiam ler e escrever, não era grande.
Escolas do
século XIX
Não sabemos ao certo quando a Póvoa de Lanhoso terá tido a sua
primeira escola. É certo, contudo, que já por aqui havia “homens letrados” nos
séculos iniciais da fundação de Portugal, dada a existência de um cenóbio
benedito em Fontarcada, que possuía “escritório”. Quer isto dizer que, sendo a
Ordem de São Bento uma ordem também virada para a escrita e para a arte da
cópia, haveria no mosteiro uma escola não apenas para ensino dos noviços mas,
também, para o desenvolvimento das capacidades intelectuais e artísticas daqueles
que, ali entrados, fossem destinados ao trabalho de copistas.
Quanto a escolas destinadas à população em
geral, e dado não existirem arquivos municipais ou particulares que permitam um
maior conhecimento sobre a matéria, interessará referir que, no seu romance “O
Demónio do Ouro”, Camilo Castelo Branco referia-se a uma escola de
primeira-letras na vila da Póvoa de Lanhoso onde, em 1750, ensinava um mestre
chamado João Veríssimo Vieira. É
certo que romance não é história e que a informação deixada pelo escritor de
Seide não pode ser tida como verdade científica, mas também não podemos negar
fundamento à referência até pelo facto de Camilo Castelo Branco se documentar
muito bem para a redação dos seus trabalhos. Certo é que em 1837 já a Câmara
Municipal assegurava pagamento de “gratificação” a um mestre de primeiras
letras que lecionava na escola da Vila da Póvoa, fazendo-o também, em 1839, ao
mestre João Baptista Lopes Malheiro, que ensinava em Fontarcada. Em 1842, estes
deviam ser os únicos professores existentes na vila, aparecendo recenseados
como moradores na freguesia de Fontarcada que, à época, vinha até à margem Sul
do ribeiro Pontido.
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Assinalados, os dois edifícios rés-do-chão das escolas do Largo do Amparo, hoje avenida da República |
Não se sabe se a escola da Vila se situaria
já, nessa altura, na parte pertencente a Lanhoso ou seja, a norte do ribeiro
Pontido. Mas já ali estava implantada no último quartel do século XIX - quando
o recém-criado semanário Maria da Fonte (1886) publicava uma curta nota sobre
uma peça teatral que se realizou na “escola da vila” - situada um pouco acima
da igreja do Amparo.
Anos depois, juntou-se a esse edifício um
outro, custeado pela herança do Conde de Ferreira, passando então a vila a ter
uma escola em dois edifícios distintos. Enquanto existiu apenas um edifício, este
era considerado misto, embora como se disse já fossem quase exclusivamente
composta por rapazes a população escolar. Com a construção do novo edifício,
instalou-se nele a escola para o sexo masculino, ficando o antigo edifício para
o sexo feminino.
O final da centúria de Novecentos foi tempo
de especial interesse pela instrução no nosso país, altura em que, um pouco por
todo o lado, o ensino básico se disseminou.
Importante papel no alargamento substancial
da rede de ensino foi o dos “brasileiros de torna viagem” os quais, tendo
partido para o Brasil algumas décadas antes com pouca instrução, e sabendo o
que, mesmo esse parco conhecimento, lhes valeu para trilharem um caminho de
sucesso, deram início a um significativo investimento, quer na construção de
edifícios quer na atribuição de prémios e no pagamento de materiais escolares.
O primeiro
quartel do século XX
Com o dealbar do século XX, as escolas começaram a ser uma
realidade em quase todas as freguesias do concelho da Póvoa de Lanhoso.
Funcionavam em geral em casas alugadas a particulares, assumindo a Câmara,
conforme a Lei consignava, quer parte do pagamento dos salários aos
professores, quer a renda integral da casa onde estes residiam. O pagamento das
rendas das casas de residência dos professores era uma forma de cativar para o
meio rural estes mestres, cujo número não abundava. Os valores dispensados
pelas Câmaras com os referidos compromissos eram, aliás, muitíssimo elevados, constituindo-se
como uma parte de leão dos orçamentos dos municípios. Havia, fruto das
dificuldades em encontrar casas nas freguesias com as condições mínimas indispensáveis
à instalação quer das salas de aulas quer da residência dos mestres-escola,
indivíduos de posses que construíam de novo ou reformavam antigos edifícios de
sua propriedade, de forma a tirarem deles bom rendimento. Mas não é menos
verdade que este início de século havia já muitos beneméritos dispostos a
construir de raiz e a oferecer edifícios escolares propositadamente desenhados
para esse fim, como adiante se verá.
Na vila existia já desde finais do século XIX,
como se disse, uma escola com dois edifícios próprios mas, nas restantes freguesias,
eram constantes as mudanças, com os senhorios a pedir sucessivos aumentos de
rendas à Câmara. Também se torna evidente, da leitura das atas do município,
que esta podia regatear o valor e a disponibilidade para obras e outros
benefícios mas que, em geral, cumpria religiosamente com o investimento nas
escolas e no apoio aos professores.
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Números das escolas em 1907 |
Talvez por isso, em 1907 havia escolas do
ensino primário estabelecidas em vinte e três das 28 freguesias do concelho (a
freguesia da Póvoa de Lanhoso seria criada apenas em 1930), e, de uma população
concelhia de 16.928 indivíduos sabiam ler 2.596 cidadãos do sexo masculino e
1.043 do sexo feminino.
Mas eram, mesmo assim, apesar da oferta de
escola, muitas as crianças que se furtavam a ir às aulas, uns porque não se
sentiam para tal incentivados e outros porque eram mesmo impedidos pelos pais
de o fazer, dado que estavam, desde pequenos, talhados pelas famílias para
engrossar o número daqueles que, analfabetos, se dedicavam a uma agricultura de
subsistência. Ficar em casa, consumir bebidas alcoólicas como “mata-bicho” e de
seguida ir, descalços ou mal calçados, mesmo nos meses de profundo inverno,
levar as vacas ao pasto ou ajudar a mugi-las e distribuir o leite pelos fregueses,
era mais comum nesse tempo, e continuaria a sê-lo nas décadas seguintes, que ir
à escola. Na primeira monografia histórica da Póvoa de Lanhoso intitulada “No
Coração do Minho” e publicada em 1907 por José da Paixão Bastos, um dos maiores
nomes de sempre da imprensa povoense, podia
ler-se: “Este concelho, composto por 28
freguesias, é servido por 2 escolas mistas, 6 femininas e 15 masculinas, ou
seja, [por] 23 escolas, [um] número suficiente (…). Mas as escolas são
frequentadas por um limitado número de alunos (…). Entre nós, à escola vai quem
quer e quando quer, pois o pai e a mãe, na sua feliz ignorância, dá como luxo
liberdade ao seu descendente (…). Por sua vez os encarregados de educação não
querem contrariar a inocência dos meninos, e assim vão crescendo envoltos nas
trevas do analfabetismo, na criminosa ignorância”.
Professor
Freitas Guimarães e os “Prémios D. Elvira Câmara Lopes”
Na viragem do século XIX para o seguinte,
destacou-se como professor, na vila da Póvoa, o mestre-escola Freitas
Guimarães, a quem os jornais da época faziam significativas e honrosas
referências. Sobre ele e em jeito de homenagem a todos os mestres de primeiras
letras que já ensinaram na nossa terra, deixamos aqui uma breve nota
biográfica.
Desconhecemos o local de nascimento do
professor Joaquim José de Oliveira Freitas Guimarães. Já ensinava na escola da
Vila nos meados do último quartel do século XIX, onde continuou a ministrar
conhecimento até muito perto da sua morte, ocorrida no Hospital António Lopes
em 16 de Julho de 1919. Foi sepultado no cemitério municipal da Póvoa de
Lanhoso, tendo no seu funeral participado os bombeiros, um grande número de
irmandades religiosas e os seus alunos, que doaram uma coroa de flores
transportada ao cemitério pelo menino José Joaquim Teixeira Ribeiro.
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O professor Freitas Guimarães |
Foi casado com D. Teresa Maria de Oliveira
Guimarães,
de cuja união nasceram vários filhos: Esperança (também ela professora na
escola da Vila a partir de 1902), Lídio, Álvaro, Elvira, Ester e Maria
(presentes na terra) e outros ausentes no Brasil: Virgílio, Aníbal e José.
Aquando da sua morte, no obituário que então
publicou, chamou-lhe o semanário Maria da Fonte “excelente homem, muito
dedicado pelos seus e um incansável obreiro da instrução”.
Freitas Guimarães foi o primeiro de uma plêiade de grandes mestres que
ensinaram nas escolas da vila da Póvoa e de entre os quais, para além do
invocado e para referir apenas alguns dos já desaparecidos, merecem referência
os professores Manuel Joaquim Fernandes, João Gomes e Mioseti Bastos.
Homem culto, dinâmico e atento e senhor de
uma visão muito ampla para quem vivia numa pequena vila do interior, ao
professor Freitas Guimarães se deve o estabelecimento de laços de amizade e comprometimento
entre a escola e os grandes beneméritos D. Elvira e António Ferreira Lopes.
Estes, a pedido do mestre-escola, instituíram, já nos finais do século XIX prémios
para os melhores alunos das várias classes das escolas da vila,
consubstanciados em entregas em dinheiro e em material escolar e livros aos que
obtivessem maior aproveitamento e apresentassem maior higiene pessoal.
Os prémios foram entregues anualmente pelo casal até à morte de D. Elvira, em
1910, sendo que, quando se encontravam na vila, iam assistir pessoalmente à
festa da entrega.
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António e D. Elvira Câmara Lopes, os maiores beneméritos da instrução na Póvoa de Lanhoso |
No seu testamento, feito em 1927, imbuído de
um espírito solidário também para com os alunos das escolas da sua terra natal,
decidiu legar um conjunto de título da dívida pública para, com o rendimento
anual destes, continuarem a ser dados aos melhores alunos prémios anuais. Por vontade
expressa de António Ferreira Lopes, as entregas anuais denominavam-se “Prémios
D. Elvira Câmara Lopes”, ficando escrito no testamento querer com eles o
benemérito homenagear a memória da sua “nunca esquecida esposa”.
Em 1937, ou seja, dez anos depois da morte do
benemérito instituidor, entregava o seu testamenteiro e sobrinho Arlindo
António Lopes à câmara a quantia de 9.567$70, “proveniente da liquidação de
juros vencidos das inscrições adquiridas em 1930 para a respetiva herança até
31 de Dezembro de 1933, representativas do legado instituído pelo benemérito
para compra de livros e concessão de prémios às crianças que frequentam as
escolas da vila”. Na mesma ocasião, foi ainda entregue o valor em dinheiro de
mais 8.100$00 proveniente dos juros do mesmo período (31 de Dezembro de 1933)
até ao final do primeiro trimestre de 1937. Para além disso, foi entregue um
certificado de renda perpétua nº 2.067, que foi entregue ao Tesoureiro da
camara para ser guardado em cofre”.
Convirá acrescentar que o dinheiro entrado nos cofres do município (17.667$70)
resultante dos juros de menos de dez anos seria suficiente para comprar uma
casa média no centro da vila.
Em 1938, a câmara, fiel depositária dos
títulos e responsável pela entrega da verba destinada aos prémios, aprovava em
reunião ordinária “pagar através dos diretores das escolas do ensino primário,
sexo masculino e feminino, desta vila, aos alunos pobres que em casa uma das mesmas
escolas mais se distinguiram na higiene e aproveitamento nos exames, os prémios
D. Elvira Lopes, relativos a 1937”. Os prémios tinham importâncias anuais de
50$00 e 30$00, totalizando, para casa escola (masculina e feminina), 80$00, tudo
nos termos das disposições testamentárias de António Ferreira Lopes.
A construção
da Escola António Lopes
A velha escola da avenida da República manteve-se em funcionamento
até aos finais da década de 1930. Não tinha já as melhores condições para
albergar os alunos que ali se deslocavam diariamente em busca de saberes mas,
com sucessivos pequenos investimentos em obras ali feitos pela câmara municipal,
foi resistindo ao período de miséria que Portugal viveu quando a Europa se
envolveu numa Primeira Grande Guerra que a todos expôs às mais sérias dificuldades.
E assim se foi mantendo no pós-guerra acompanhando, posteriormente, o definhar
da I República, a chegada da Ditadura Militar e o nascimento do Estado Novo.
Havia contudo, desde anos antes, uma luz ao
fundo do túnel para resolver o problema da substituição das antigas escolas: ao
falecer, em dezembro de 1927, o grande benemérito povoense António Ferreira
Lopes legou, entre muitos outros benefícios concedidos à sua terra natal, 200
contos à câmara para que esta pudesse construir, na vila, um novo edifício
escolar, destinado às crianças de ambos os sexos.
Porém, problemas surgidos com a partilha dos
seus bens e, nomeadamente, com a forma como os legados deviam ser pagos (pois,
entretanto, com o crash da bolsa de
1929 tinha surgido uma grande desvalorização da moeda, discutindo-se em
tribunal se as somas expressas no testamento deviam ser pagas ao valor da época
do falecimento do benemérito ou ao do da conclusão do processo), atrasou a entrega
à câmara municipal das verbas atribuída e, consequentemente, a construção do
edifício escolar.
No seu testamento, António Lopes deixou
outras verbas, para além dos 200 contos destinados à construção da nova escola.
Entre estas, encontrava-se uma de três centenas de contos, com a finalidade de
ser edificado um novo edifício dos Paços do Concelho. A certeza de ter em mãos
um verdadeiro tesouro havia levado já anteriores executivos municipais a projetar
a construção dos dois prédios (Paços do Concelho e escola), mas os referidos
atrasos na conclusão do processo judicial levou a que as obras fossem
consecutivamente adiadas.
Em 1938, com o problema das partilhas em fase
de conclusão, a câmara decidiu avançar com a construção dos novos Paços do
Concelho. Chegou este edifício a estar pensado para o largo António Lopes e
numa outra fase para a Casa da Botica, mas, aproximando-se a data da
construção, foi escolhido implantá-lo na avenida da República. No terreno
existiam várias construções, entre as quais os dois edifícios da escola
primária atrás referidos.
Foi, então, decidido avançar, em paralelo,
com a construção dos Paços do Concelho e com a de uma nova escola na vila. O projeto
da nova escola foi encomendado (tal como o dos Paços do Concelho) ao arquiteto
Rogério de Azevedo, que o apresentou ao executivo do município em outubro de 1937.
Levado ao conhecimento do Diretor-geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais, o
projeto seria de imediato aprovado.
Na mesma reunião camarária em que o projeto
foi analisado, foi dito pelo presidente padre José António Dias que, tendo a
camara de construir uma nova escola em virtude do legado de António Lopes, no
desejo não só de cumprir a vontade do benemérito mas de a mesma ser útil à
terra, ampliando e completando a finalidade das escolas, procurou ele,
presidente, junto das instancias superiores em Lisboa ver se conseguia a construção
da escola com cantina. E que lhe pareceu que o seu pedido seria conseguido se
fossem oferecidos ao estado 200 contos “para fundo e sustentação” da mesma
escola-cantina. Os vereadores aprovaram esta ideia do presidente, transformada
em proposta, pelo que a câmara se apressou a oficiar à direção dos edifícios e
monumentos nacionais a manifestar a sua disposição de entregar ao Estado os
duzentos contos se o Estado custeasse integralmente a construção da escola
cantina.
O assunto teve, em Lisboa, rápida análise e,
em 17 de Janeiro de 1938 era recebido na câmara um ofício do arquiteto-chefe da
2ª secção da Direção Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais a recomendar a
aquisição urgente do terreno para a edificação do novo edifício da
escola-cantina, visto que se achava já aprovado superiormente, e devidamente
dotado com 150.000$00, a construção do mesmo edifício.
O presidente foi encarregado de proceder à
expropriação amigável dos terrenos (que pertenciam à família Lisboa e se
situavam no largo de António Lopes), sendo-lhe conferidos todos os poderes,
incluindo os de representar o município em juízo.
A construção da escola foi adjudicada em Maio
de 1938,
sendo a primeira pedra lançada no dia 5 de setembro do mesmo ano,
em sinal de reconhecimento ao grande benemérito pois, nesse dia, completavam-se
vinte e um anos da inauguração do hospital por António Lopes oferecido à Póvoa
de Lanhoso.
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A escola António Lopes, em 1940 |
As obras do edifício escolar decorreram a bom
ritmo, vindo o edifício a ser inaugurado em setembro de 1940, menos de dois
anos e meio depois de iniciado. Na sua ata de 30 de Setembro do mesmo ano,
expressava o presidente da câmara aos seus colegas vereadores: “Está quase
concluído o edifício da Escola-Cantina, faltando apenas algumas pequenas obras
de acabamento, estando, porém, em esplêndidas condições de nele se poder
ministrar o ensino. Propõe por isso [o presidente] que seja solicitada às
instâncias superiores autorização para que no próximo ano letivo, a iniciar-se
dentro de dias, sejam já ali ministradas as aulas, transferindo-se para ali
todo o mobiliário e material didático existente na antiga escola”. Obtida
aprovação do diretor do distrito escolar, as aulas começaram na nova escola,
tendo sido inaugurada esta no início de outubro do mesmo ano.
A pequena escola da avenida da República, que
se dividia por dois edifícios, ambos pequenos, cedia agora vez a uma escola
enorme, moderna, onde o granito, a madeira e o barro, matérias-primas oriundas
da região, marcavam imponente presença. Com seis amplas e bem iluminadas salas
de aula, com “recreios” vedados e parcialmente cobertos, para rapazes e para
meninas, a escola era um dos melhores e mais modernos edifícios da terra. Possuía
retretes nos recreios masculino e feminino, para seis crianças de cada vez em
cada um, ligadas a uma fossa séptica, o que era sinal da modernidade dos
tempos. A escola estava ainda dotada de sala de direção, de áreas destinadas a
arrecadações, de uma residência para um contínuo e de uma enorme cantina,
acrescentada ao projeto inicial por intervenção do presidente da câmara padre
José Dias, que a viu batizada com o seu nome. A escola, em homenagem àquele que
a idealizou e pagou, teve desde o início o nome de Escola António Lopes.
Foi nesta escola que o ensino primário se
desenvolveu e solidificou na vila da Póvoa, não só pelas boas condições que o
edifício proporcionava como pelo facto de, paulatinamente, a frequência ir
aumentando. Havia cada vez mais a noção de que a ler, escrever e contar era
ferramenta sem a qual mais ninguém conseguiria singrar na vida.
Ainda em 1941, aos professores Manuel
Fernandes e João Gomes, juntava-se por nomeação definitiva a professora Miosete
da Rocha Braga Bastos,
que na escola já desempenhava funções letivas interinamente.
Os velhos edifícios da avenida da República,
esvaziados das funções para que foram construídos, viriam a ser vendidos, em
dezembro de 1941 à paróquia de Nossa Senhora do Amparo por 35.000$00, para li
se instalar o pároco, já que a anterior residência paroquial fora demolida
para, no seu espaço, como no de outras propriedades anteriormente ali
existentes, serem edificados os Paços do Concelho.
A luz elétrica só chegou à escola em meados
da década de 1950, no seguimento de uma petição levada à câmara municipal pelo
professor Reinaldo Faria, que a solicitava pelo menos para uma sala, com vista
a nesse cómodo poder ser realizado um “curso noturno de adultos”.
A nova escola viria a servir gerações de
povoenses. Ali ensinaram dezenas e dezenas de mestres e mestras; ali aprenderam
as “primeiras letras” (e na maioria dos casos, únicas), milhares e milhares de crianças.
Nas suas salas se fizeram, da melhor matéria humana, primeiros caminhos de
futuros homens e mulheres e, nos recreios da escola, onde árvores e sebes
marcavam o espaço com as suas belezas naturais, se praticaram os jogos
tradicionais que eram, à época, a “educação física” oficial de grande parte dos
educandos. O próprio Sport Club Maria da Fonte, a maior agremiação desportiva
da terra, colheu também, entre aqueles que envergaram a sua camisola, centenas
de jovens cujo primeiro contato com a bola ocorreu precisamente na terra batida
dos recreios daquele estabelecimento de ensino.
A escola
nova da era do betão e do alumínio
Nos finais da primeira década do século XXI a Escola António Lopes
encontrava-se em mau estado de conservação, bastante ultrapassada na sua conceção
e impossibilitada, se não fossem feitas grandes obras, de se adaptar às novas
exigências pedagógicas. Havíamos entrado na era dos computadores e o velho desenho
já não comportava espaço para as novas tecnologias. Esse era um problema
difícil de resolver, mas outros havia, como o natural envelhecimento causado
por muitas dezenas de verões e invernos que se refletiam no estado dos
telhados, das paredes e das madeiras. Havia, pois, necessidade de tomar
decisões: recuperar a velha Escola António Lopes ou construir outra de raiz?
É
sobre isso que falaremos na segunda parte deste artigo, a publicar em breve.
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A nova escola da Vila, inaugurada na primeira década do século XX |
(A segunda parte deste artigo será publicada em breve)
Cf. Jornal Maria da Fonte, nº
995, de 23 de Agosto de 1914, p. 2
ACMPL, Actas da câmara, Livro nº 31 (29 de Março de 1937 a 18 de Julho de
1938), fls. 31v-32.
AMPL, Livro de Actas de camara
nº 32 (18 Julho 1938 a 13 novembro 1939), fls. 20v.-21v.
ACMPL, Actas da camara, Livro nº
34 (8 de dezembro de 1941 a 20 de Novembro de 1944), fl. 5v-7.