quinta-feira, 21 de junho de 2012

Júlio Celestino da Silva (1883-1918): Um Homem da Primeira República na Póvoa de Lanhoso


José Abílio Coelho[1]


                                                                 Ao António Celestino, por tudo


  
Júlio Celestino da Silva: bigodes à "Kaiser"

 Observo com cuidados de paleógrafo, embrenhado em decifrar um documento antigo, uma fotografia de Júlio Celestino da Silva. Há qualquer coisa que me empurra para a tentativa de descobrir, pela imagem que dele ficou e me mostra um jovem nos seus vinte e tantos para trinta anos, captada nos inícios da primeira década do século passado, quem terá sido esse homem de tamanhas convicções republicanas, leitor de Proudhon e Marx, de Engles, Kropotkine e Gorki[2]; negociante de grande importância local e personalidade de tão elevado prestígio intelectual que, em pouco mais de meia dúzia de anos, tantos quantos aqueles em que residiu na Póvoa de Lanhoso, foi quase tudo o que havia para ser: administrador do Concelho, vice-presidente da Câmara e seu presidente em exercício, candidato indicado pela secção local do Partido Republicano a procurador da Junta Distrital e reorganizador e segundo-comandante da Corporação dos Bombeiros Voluntários. Tudo isto quando, entre 1910 e 1918, a Câmara e os Bombeiros eram as duas únicas instituições que se destacavam na terra de Lanhoso. Reparo demoradamente no bigode trabalhado como quem modela caminho aos ramos de uma árvore de jardim (bigode «à kaiser», como se dizia na altura), no seu cabelo bem penteado, no trajar esmerado e fidalgo e na flor romântica que lhe enfeita a lapela. Mas o que verdadeiramente ressalta do retrato a sépia que tenho em mãos, o que me prende a atenção, são os seus olhos, penetrantes e doces, ao mesmo tempo.
Pergunto-me quem terá sido, afinal, Júlio Celestino da Silva, o homem a quem, um ano apenas depois de ter chegado, pelo casamento, a este concelho do coração do Minho, eram entregues os mais decisivos cargos municipais? E onde poderia ter chegado se a Natureza lhe tivesse dado a oportunidade de ir além dos trinta e cinco anos que viveu, os últimos minado já pela doença que havia de o matar nesse terrível ano de 1918, quando a «Pneumónica», que se manifestara quando a I Grande Guerra caminhava já para o fim, ceifou cerca de 60 mil vidas em Portugal e mais de 20 milhões em todo o Planeta[3], matando mais que a própria guerra que terminava?
A «Pneumónica», a que chamaram também «Febre Espanhola», caíra como raio de desgraça sobre um mundo já despedaçado pela fome e pela guerra. Naquele ano de 1918 — com o ditador Sidónio endeusado no poder, prestigiado pela sua pose galante de «presidente-rei» mas, também, pela coragem de visitar e se debruçar sobre as camas dos doentes infectados pela epidemia[4]  — não houve aldeia em Portugal, por pequena que fosse, que não perdesse, vitimados pela doença que a todos atemorizava, vários dos seus filhos. Na Póvoa de Lanhoso, entre a Primavera e o Inverno de 1918, os infectados contabilizavam-se por muitas centenas. As dificuldades no combate à doença e a miséria económica que resultava do seu tratamento eram tantas que chegaram a organizar-se grupos para prestarem apoio monetário às famílias atingidas pela desgraça e, apesar de se encontrar já em pleno funcionamento o «Hospital António Lopes»[5], houve a necessidade de transformar a casa do capelão do Senhor do Horto em hospital provisório para infectados com broncopneumonia[6]. Também os facultativos municipais – os doutores Abílio Areias, Adriano Martins e Pinto Bastos – se mostravam «incansáveis (…) para acudir a tantos epidemiados» e obrigados a fazer publicar nos jornais um conjunto de «conselhos tendentes a evitar a propagação da epidemia»[7]. Mas, apesar da prevenção e dos cuidados médicos postos em prática, prevenção e cuidados a que a lei aliás obrigava, a doença continuou a fazer enormíssimos estragos. E o número de vítimas era de tal modo elevado que, em alguns dias desses meses críticos do Outono e Inverno de 1918 chegaram a realizar-se, só na vila da Póvoa, mais de uma dezena de enterros, às vezes mais do que um da mesma casa.
Entre tantas outras que, especialmente desde Maio, vinham ocorrendo em todas as vinte e oito freguesias do concelho, a morte de Júlio Celestino da Silva chegou como desgraça maior. O prestígio sócio-familiar do então segundo-comandante dos Bombeiros era tal e a doença que o vitimara tão assustadora para as populações que o administrador do Concelho, Francisco José Mota Ribeiro de Oliveira, fez publicar no mesmo número do jornal «A Maria da Fonte» que noticiava a morte desse «tão estimado e querido povoense», um edital onde se dizia que «tendo alastrado consideravelmente neste concelho a epidemia da gripe, havendo já alguns casos de bronco pneumónica», ficava determinado que se tomassem de imediato várias medidas: que não se realizassem espectáculos, divertimentos públicos, romarias, procissões, feiras, cortejos fúnebres, etc.; que se não assistisse a actos religiosos celebrados nas igrejas ou capelas de todo o concelho até ao fim da epidemia reinante; que se encerrassem clubes e cafés; e que os cadáveres fossem transportados ao cemitério em caixão fechado e sepultados nas primeiras 24 horas após o falecimento, «tolerando-se, unicamente, a permanência nas igrejas durante as cerimónias fúnebres aos cadáveres encerrados em caixão de chumbo». O administrador recomendava ainda que fosse observada máxima higiene e limpeza, a remoção de estrumeiras e suínos das proximidades das habitações, e que todos os óbitos de origem epidémica fossem de imediato participados pelas famílias ao subdelegado de Saúde concelhio, para este proceder à desinfecção das habitações onde ocorressem. O aviso era para levar a sério, pois o edital publicado concluía alertando que os transgressores seriam denunciados ao poder judicial[8].
Volto a fixar-me na fotografia de Júlio Celestino da Silva, olho os seus olhos penetrantes e meigos, e pergunto-me: quem terá sido esse homem que, dois anos depois de os alcançar, ainda os primeiros ecos da República se não tinham calado, teve a imensa coragem de largar todos os apetitosos cargos políticos que desempenhava para se dedicar de alma e coração à reorganização da corporação de Bombeiros da Póvoa de Lanhoso, em cuja refundação participou activamente; o homem que «ia confortar os presos da cadeia pública, levando-lhes remédios e comida e tratando os doentes que lá penavam o desconforto carcerário»?[9] Alguém já escreveu que, se quisermos conhecer verdadeiramente um homem, devemos saber aquilo que ele leu. Sabendo como se compunha a sua biblioteca e as notas que escreveu à margem dos seus livros, não podem restar dúvidas de que Celestino da Silva encarnou em si toda a carga ideológica que enformou os republicanos dos inícios do século XX; da mesma forma que, conhecendo o seu trajecto de vida, encontramos um ser humano a quem os problemas alheios diziam tanto ou mais que as próprias dificuldades.
Deixo as considerações e o retrato que me cativa de lado, voltarei a pegar-lhe mais tarde. Por agora, tentarei ir para além dele, sempre com a mesma questão em mente: quem foi, afinal, Júlio Celestino da Silva?
 
AS ORIGENS E O CASAMENTO

Júlio Celestino da Silva nasceu na Rua de D. Pedro V da freguesia de S. Victor, em Braga, pela meia hora da manhã do dia 27 de Julho de 1883. Era filho de um professor do Liceu da cidade, António Celestino da Silva, e de sua esposa D. Júlia Virgínia Celestino da Silva; ele natural da cidade de Chaves, ela da freguesia de S. João de Souto, de Braga. Os seus avós paternos, residentes em Chaves, eram António José da Silva Celestino (familiar do famoso general Celestino da Silva, que foi governador de Timor nos finais do século XIX), e sua esposa D. Rosa Umbelina Carneiro da Silva. Da parte materna, apenas sabemos o nome da avó, D. Leopoldina Rigos e Mello, já que, no assento de baptismo, elaborado a 12 de Agosto desse mesmo ano, o avô materno é dado como «incógnito»[10].

O militar Júlio Celestino

 Da sua infância sabemos muito pouco: apenas que a família era pobre[11], apesar das credenciais que possuía, e que cresceu num ambiente de intenso fervilhar intelectual pois, para além de seu pai, alguns outros membros da família se destacavam no ensino das Letras, na cidade dos Arcebispos.
De entre estes, teve especial destaque seu tio-avô e padrinho homónimo, padre Júlio Celestino da Silva, que residia no Campo da Senhora-a-Branca, em Braga, e foi prefeito do Seminário Menor, professor do Liceu de Braga e, mais tarde, inspector do ensino no Distrito. Num relatório por si elaborado enquanto inspector, após, em 1868, ter visitado cento e uma escolas públicas e privadas do distrito de Braga, e no item que respeita à frequência das escolas, afirmava o padre Júlio: «Além da ignorância e pobreza dos pais e do serviço prestado pelos filhos, causas que se têm alegado da pouca frequência das escolas, entendo que sobressaem ainda a ignorância e muita negligência da parte de alguns professores, a negligência por parte dos párocos e até muitas vezes a repugnância que os alunos têm à escola, fundada já na má educação do nosso povo já no próprio estado em que as escolas se encontram. (…) O nosso povo compreende muito pouco o que devem ser as escolas e o ensino. Os pais e mães ameaçam com a escola os filhos seis meses, senão mais, antes de os mandar para ela; apresentam-lha como as cores mais feias possível, fazendo sobressair o flagelo da palmatória»[12].
Esta corajosa mas realista descrição do estado em que, nos finais do século XIX, se encontrava o ensino em Portugal[13], e a forma como eram denunciadas a «ignorância dos professores» e a «negligência por parte dos párocos», aliada, naturalmente, «à ignorância e à pobreza dos pais», mostra, parece-nos, o espírito de exigência a que o jovem Júlio Celestino estaria obrigado. E sobre a sua infância e juventude, em concreto, nada mais sabemos. Mas, se a ideia do jovem passava por seguir a carreira do pai, e é bem provável que assim fosse dada a forma como tantas vezes os filhos tomavam e seguiam o exemplo profissional dos progenitores, o ambiente vivido na docência e descrito pelo tio-avô e padrinho no relatório aos seus superiores, deve-o ter desmotivado. O que não o impediu de estudar. Denota-o a sua caligrafia segura e de bom estilo, e um domínio exemplar da escrita e do pensamento, bem expressos, uma e outros, nos apontamentos que fez à margem de muitos dos livros que compunham a biblioteca que possuía, transferida para a Casa do Ribeiro de São João de Rei após a sua morte e desaparecida num incêndio ocorrido naquela propriedade, no primeiro quartel do século XX. Esses apontamentos reflectem um elevadíssimo conhecimento de várias temáticas e especialidades do saber como a história, a filosofia ou a moderna literatura da época[14].

A esposa, D. Virgínia

Cresceu em Braga, onde estudou e cumpriu serviço militar, até que, em 1908, contando já 25 anos de idade, partiu para Angola[15]. Ir para Angola (embora menos que emigrar para o Brasil), era um sonho que animava muitos jovens da sua idade. Iam à procura de riqueza, seguindo as pisadas de outros compatriotas e familiares que, na costa de África, haviam juntado muito dinheiro. Mas iam também à cata de aventura, depois das heróicas e bem publicitadas campanhas do último quartel do século XIX, que tanto empolgaram os portugueses e tornaram homens como Hermenegildo Capelo, Roberto Ivens ou Serpa Pinto heróis nacionais. Não obstante, o sonho africano parece não ter realizado nem entusiasmado o jovem Celestino que, poucos meses depois de ali ter chegado, solicitava já ao Governo do Distrito de Benguela passaporte para regressar a Lisboa. O documento vem a ser-lhe concedido em cinco de Janeiro de 1909, com o fim «de sair d’esta província» seguindo viagem para Lisboa a bordo do vapor Zaire. Através do documento ficamos a saber que Celestino tinha um metro e sessenta e seis centímetros de altura, que possuía um «rosto comprido, cabelos e olhos castanhos» e que tudo o resto, no seu rosto, «era regular»[16]. A viagem deve ter sido empreendida de imediato, mesmo pelo facto de o passaporte ter apenas a validade de um mês. No Verão desse mesmo ano de 1909, encontra-se já Júlio Celestino na Póvoa de Lanhoso a preparar o casamento com a jovem Virgínia das Dores Simões Veloso de Almeida.

Passaporte de Júlio Celestino da Silva

Os caminhos que o trouxeram a esta terra, aos 26 anos de idade, também os não descortinamos. É provável que anos antes, em Braga, tenha feito amizade com alguns dos estudantes que ali frequentaram os colégios e o Liceu da cidade, onde, como se disse, seu pai era professor. Terá sido através de alguma dessas ligações de amizade que conheceu a jovem Virgínia das Dores Simões Veloso de Almeida, filha de um dos proprietários mais ricos do concelho e que, em breve, virá a ser sua esposa? É o mais provável.
 
A DEDICAÇÃO AO COMÉRCIO

Regressado da breve passagem por Angola, onde terá amealhado algum dinheiro, Júlio Celestino encetou namoro com Virgínia das Dores, nascida a 8 de Abril de 1889 na freguesia de S. João de Rei, concelho da Póvoa de Lanhoso[17], onde continuava a residir. Virgínia das Dores era a filha mais nova do casal de proprietários da Casa do Ribeiro da mesma freguesia, João José Simões Veloso de Almeida e D. Rita Joaquina de Almeida[18]. Com ela viria a casar-se no dia 2 de Outubro de 1909[19].
Ao casamento, cujo processo foi preparado no «rito da Santa Madre Igreja Católica Apostólica Romana» pelo pároco António Evaristo de Almeida e teve lugar na igreja da freguesia de naturalidade da noiva, assistiu parte da fina flor da sociedade povoense da época, do juiz da comarca, António Joaquim Peixoto de Magalhães, aos advogados Hernâni Pereira de Magalhães, José Augusto Simões e Joaquim Argainha, o conservador do registo predial Adriano Carlos Simões Veloso de Almeida (irmão da noiva), o Dr. Jacinto Humberto da Silva, primo do noivo e os padres Manuel de Almeida Argainha, Evaristo António de Almeida e José Carlos Valle-Rego. A cerimónia foi realizada pelo jovem sacerdote José Carlos Simões Veloso de Almeida, irmão da noiva e professor no Colégio de Nossa Senhora da Conceição em Guimarães[20], tendo sido testemunhas o pai da nubente, o padre Manuel Joaquim d’Almeida e Joaquim Evaristo de Almeida[21]. Finda a cerimónia, e depois de uma «lauto banquete» oferecido pelos pais da noiva na sua Casa do Ribeiro, o casal retirou-se para Braga, de onde seguiu, no caminho de ferro, «para em Lisboa, passar uma longa temporada»[22].
Regressado de Lisboa, onde permaneceu, com a esposa, ao longo de algumas semanas, Júlio Celestino necessitava encontrar uma actividade profissional compatível com a sua posição social e formação. E foi no comércio que achou o seu caminho: em 20 de Julho de 1910 estava na vila da Póvoa para tomar, por trespasse, a «Loja Central», que em 1901 ali havia sido fundada por João Albino de Carvalho Bastos[23]. Situada no coração da terra, a meia dúzia de metros do edifício da municipalidade que albergava ainda o tribunal judicial e a cadeia da comarca, e «com frente para a estrada real», a sua administração era nessa data assumida por Júlio Celestino, que havia de a gerir até 1917. Pelo trespasse e por toda a existência de materiais, comprometia Júlio Celestino dez contos seiscentos e cinquenta mil reis. De pronto e perante o tabelião Almeno Dídaco Leite da Costa e Brito, que fez a escritura, entrega ao trespassante cinco contos e seiscentos mil reis. Os restantes cinco contos e cinquenta mil reis ficavam garantidos por uma letra «na posse do vendedor até ser paga»[24].
O casal passou, então, a residir no piso superior da loja, uma casa avarandada que dispunha de bonitas águas furtadas e pertencia a Emílio António Lopes.
A «Loja Central» era à época uma das melhores casas comerciais que a pequena Vila da Póvoa possuía[25]. Comercializava ricas fazendas e tecidos dos mais caros e, para além disso camisas, gravatas, punhos, colarinhos, chapéus, peúgas e meias para senhora e criança, lenços, perfumes e todo o género de tecidos para o lar, miudezas e quinquilharias[26]. Júlio Celestino, seguindo um costume que vinha do anterior proprietário, publicitava todas as semanas na imprensa povoense a sua loja, e foi mesmo o primeiro comerciante local a utilizar o marketing comercial já que, nos inícios da década de 1910, era frequente encontrar-se nos jornais da terra pequenas notícias onde se anunciava a oferta de vários produtos, de simples espelhinhos de mão a canivetes, aos clientes que na loja fizessem as suas compras. Outra novidade trazida para a Póvoa de Lanhoso por Júlio Celestino foi a edição de postais ilustrados, cuja primeira colecção, «com trechos da nossa vila e arredores», foi posta à venda em Setembro de 1910[27].
Sob a alçada de Celestino, a «Loja Central» cresceu rápida e significativamente. Pouco tempo depois de ter assumido a sua propriedade já contava com dois empregados. Um deles era um jovem das redondezas de Braga, Armando Queiroz de seu nome, que chegou à terra como aprendiz de balconista, alcançou pouco tempo depois a de «primeiro caixeiro» e viria, anos mais tarde, a suceder ao antigo patrão na propriedade da loja. O prestígio da casa era grande, tendo as suas montras sido as escolhidas para, no Verão de 1912, ali ser exposto o projecto do Hospital da Póvoa de Lanhoso, da autoria do arquitecto João de Moura Coutinho d’Almeida Eça, cujas obras em breve se iniciariam a expensas do «brasileiro» António Ferreira Lopes[28].

REPUBLICANO E «CAMARISTA»

Quando Júlio Celestino da Silva se instalou na vila da Póvoa de Lanhoso, no Verão de 1910, quais seriam as suas relações de amizade? Não o sabemos ao certo. Como já dissemos, o mais provável é que, em Braga, onde nascera e habitara, tivesse conhecido alguns povoenses que, no Liceu da cidade, onde seu pai era professor, estudaram na última década do século XIX e nos primeiros anos da centúria seguinte. O certo é que a partir do seu casamento com Virgínia das Dores passou a integrar uma família com pergaminhos sócio-políticos no concelho. E isso deve ter-lhe aberto muitas portas.

Júlio Celestino da Silva no caminho de acesso à "Barreira"

O seu sogro, João José Simões Veloso de Almeida, era um dos maiores proprietários agrícolas do concelho, senhor da Casa do Ribeiro de São João de Rei e de outras vastas propriedades naquela e noutras freguesia circunvizinhas. João José Simões Veloso de Almeida havia sido presidente da Câmara da Póvoa entre Janeiro de 1882 e o mesmo mês de 1887, e vereador entre 1890 e 1893[29], sendo ainda, e por mais de uma vez, administrador do Concelho. Voltaria a ocupar o cargo de presidente da Comissão Municipal já depois da implantação da República, em quatro mandatos consecutivos, entre 2 de Janeiro de 1914 e 2 de Janeiro de 1918. Os seus cunhados, os advogados João Augusto[30] e Adriano Carlos Simões Veloso de Almeida[31], eram profissionais de elevada craveira e de grande influência na sociedade povoense. Adriano Carlos, que foi um importante advogado na Vila da Póvoa e durante alguns anos conservador dos Registos Civil e Predial[32], viria a ser também presidente da Câmara Municipal, num mandato de alguns meses, entre 20 de Fevereiro e 12 de Agosto de 1919. Pertenceria ao Dr. Adriano Carlos Simões Veloso de Almeida, aliás, na qualidade de presidente da Câmara recém-nomeado, proclamar, numa sessão solene ocorrida nos Paços do Concelho a 22 de Fevereiro de 1919, a reimplantação da República, após a efémera mas destruidora passagem dos simpatizantes da «Monarquia do Norte» pela terra da Maria da Fonte. O próprio Padre José Carlos Simões, também seu cunhado, era um respeitado intelectual, professor e mais tarde director de um colégio em Guimarães.
Como se vê, ao casar-se com uma senhora da família Simões Veloso de Almeida, Júlio Celestino estava a integrar-se no que de melhor existia na sociedade povoense. A influência política resultante dessa ligação é coisa que parece resultar óbvia.
No seu livro «Uma Vida em Si Menor»[33], o escritor António Celestino, filho de Júlio Celestino da Silva, deixa-nos contada a imagem que de seu pai lhe ficou: «Da pouca e pobre herança que nos coube [após a morte do pai], constavam umas centenas de livros, uma mobília de escritório, duas bengalas, sendo uma de marfim, um busto de Victor Hugo de gesso, e uma pequena economia em títulos da Dívida Pública Italiana e que Mussolini depois transformou em papal de embrulho (…). Aqueles livros foram durante muitos anos a minha alegria e a minha glória. Eu os tratava com cuidados filiais, não tivessem pertencido a quem pertenceram. Sua maioria era constituída por obras politicamente avançadíssimas para o tempo e nelas se documentam um fanático e intransigente amor pelos ideais republicanos, o que não era muito frequente num país milenarmente monárquico e numa sociedade habituada a arreigadas tradições reais». Entre os autores preferidos de Júlio Celestino contavam-se para além de Marx e Engles, kropotkine, Gorki, Tolstoi, Turguenev, Dostoieweski, Zola, bem como «a poesia candente e audaciosa do Junqueiro da Velhice do Padre Eterno». Mas havia mais na velha biblioteca, desde uma História da I Grande Guerra (1914-1918) em edição espanhola, a obras de Pinheiro Chagas, de Nietzsch ou do «seu deus maior», o francês Victor Hugo[34].
Pelo que seu filho dele escreveu, Júlio Celestino não era daqueles homens que lia por vício ou para matar com histórias românticas as horas de ócio. Fazia-o em busca de saber e, para além disso, possuía o abençoado hábito de fazer anotações à margem das suas leituras. Através dessas «frases curtas e incisivas, escritas a lápis geralmente, sublinhando o que desejava ressaltar» havia «comentários feitos à margem das páginas e no final do volume numa apreciação conclusiva (…), sempre vibrantes e às vezes enraivecidos desde que se defrontava com referências favoráveis à Igreja Católica, que odiava do fundo da alma»[35]. Júlio Celestino era implacável com aquilo que considerava «factor do atraso universal e motivo de degradação para com Portugal». Ainda segundo António Celestino, nos livros e nas anotações herdadas de seu pai, estava «o anticlericalismo sangrento (…) do ambiente da República portuguesa, recém-implantada, estribado nas ideias libertárias que vinham da Revolução Francesa e continuavam em Lenine»[36].
Tudo indica, pois, que quando chegou à Póvoa de Lanhoso, em  1909, Júlio Celestino da Silva fosse já um homem cujos ideais, virados para simpatias por uma esquerda bem demarcada, socialista talvez[37], estavam traçados e bem traçados. Certamente por obrigação, por todas as razões que ainda se viviam nos anos derradeiros da Monarquia com as doutrinas de Trento em pleno vigor, ou até pelo facto de a noiva ter um irmão que tomara ordens, e por ele próprio ter um tio e padrinho padre, casou religiosamente. Mas, com a implantação da República, quebrada a cadeia dessa obrigação quase milenar de se respeitar a Igreja como instituição que se confundia com o próprio Estado no qual o púlpito tinha por vezes mais força que um decreto régio, Júlio Celestino da Silva, como tantos e tantos outros portugueses, libertou-se.
Não nos adiantemos, porém: a Revolução está ainda para chegar.

ECOS DO «5 DE OUTUBRO» NA PÓVOA DE LANHOSO

No dia 5 de Outubro de 1910, menos de um ano e meio depois de Júlio Celestino se ter fixado na Póvoa de Lanhoso, a República foi implantada em Lisboa, destituindo um regime monárquico há muito tempo em declínio. O último rei português, D. Manuel II, seguiu para o exílio em Londres e muitos dos até então simpatizantes monárquicos aderiram à nova ordem. José Relvas, um dos homens da revolta republicana, anunciou nessa mesma manhã de 5 de Outubro, das varandas da municipalidade da capital, que a República estava implantada, e que o êxito da Revolução e da mudança de regime seria comunicada «a todo o país via telégrafo». Terá, contudo, escapado a Relvas que durante os processos revolucionários nem tudo acontece como está programado e que, fruto do corte da linha do telégrafo e da destruição de parte do troço do caminho-de-ferro, às portas de Lisboa, a notícia demorou mais tempo que o esperado a estender-se ao norte do país[38].
 Por isso, nesse dia 5 de Outubro, e apesar dos confrontos se terem iniciado na madrugada do dia 4, ninguém, na Póvoa de Lanhoso, faria ideia do que estava a acontecer em Lisboa. A causa republicana era particularmente querida apenas a alguns poucos povoenses, que podiam contar-se pelos dedos das mãos. De entre estes, destacavam-se os jornalistas José da Paixão Bastos e seu irmão Albino Bastos[39], os jovens médicos Abílio Areias e Adriano Martins, bem como a um outro funcionário público. E, obviamente, a Júlio Celestino da Silva[40]. Porém, a maioria da população concelhia, composta por cerca de 17.000 habitantes dedicados em elevadíssima percentagem à agricultura, tinha pouco interesse nas questões políticas, mais virada que estava para a sobrevivência, em tempos de fome.
A notícia das mudanças em Lisboa, fruto das condicionantes já apontadas, demorou a chegar à pequena vila do coração minhoto, na qual, só a 9 de Outubro, através das páginas do jornal “Maria da Fonte”, conheceria pormenores do ocorrido em Lisboa quatro dias antes. A informação deve ter, mesmo assim, chegado aos poucos, pois, na sua primeira página, aquele hebdomadário local publicava apenas uma breve nota intitulada «A Revolução», através da qual dava conhecimento aos leitores de que «à hora de entrar no prelo esta primeira página do nosso jornal faltam-nos ainda pormenores da revolta militar e popular, que deu em resultado a proclamação da república na capital do nosso país», adiantando que: «o que de positivo por ora se sabe é que os revolucionários estão na posse das secretarias e dos selos do estado, tendo já constituído o seu governo provisório». O jornal deve ter atrasado a edição das páginas interiores, pois avisava os leitores de que, nessas, iria anunciando o que se fosse sabendo até à hora final da sua impressão[41].
Quando saiu a público, as páginas dois e três contavam já com significativa informação. Sob o título «A República em Portugal», um artigo que ocupava quatro das cinco colunas de toda a página segunda começava por dizer: «Até que enfim que se sabe positivo que as tropas e o povo implantaram a República em Portugal». Adiantava depois que Lisboa estava já em poder dos revoltosos, descrevendo os movimentos que levaram à vitória dos «golpistas», o papel interventivo do povo, dos militares e da armada no sucesso da revolta. Relatava ainda alguns episódios como o incêndio de que o edifício dos Jesuítas na capital fora vítima e o de um outro que, dado o forte tiroteio, se incendiara na Avenida da Liberdade. Anunciava que «El-Rei D. Manuel e toda a família real embarcaram num Iate, não se sabendo ainda qual a via marítima que seguiram», e que havia mortos, vinte e quatro dos quais estavam ainda por identificar. Por fim, falava da proclamação a partir das varandas dos Paços do Concelho de Lisboa, e adiantava já o nome dos membros do governo provisório, à frente do qual se encontrava o Doutor Teófilo Braga.
Para a cidade dos Arcebispos, anunciava o mesmo número do jornal, havia sido nomeado governador civil pelo governo provisório o Dr. Manuel Monteiro.
Em suma, pode dizer-se que, lida a edição, os povoenses ficaram a saber minimamente o que se passara em Lisboa no dia 5 de Outubro, e como a implantação da República tinha sido bem recebida em todo o país.
Duas breves notas destacam-se na edição. Na primeira afirmava-se que «ontem à tarde [dia 8 de Outubro] também foi içada por um popular na câmara municipal deste concelho [da Póvoa de Lanhoso] a bandeira da República». A segunda, com destaque na página três, afirmava que «pelo Sr. Dr. Manuel Monteiro, novo governador civil do distrito, e em nome do governo provisório, acaba de ser nomeado administrador deste concelho o clínico Sr. Dr. Abílio Areias». Esta breve, depois de tecer curto mas elevado elogio ao indigitado administrador, informava que o «preclaro povoense foi ainda encarregado de organizar uma comissão municipal que proclame aqui a República e que fique a gerir os negócios municipais até que se proceda a eleições»[42].
Não dispomos de grande volume de informação sobre o que se terá passado depois de noticiada no concelho a implantação da República até à publicação de nova edição do referido periódico, na semana seguinte. Mas não podemos deixar de transcrever um breve trecho, muitos anos depois dado à estampa nas «Palavras de Abertura» de um livro de contos, por Dário Bastos, natural e então residente na terra: «Aos sete anos fui para a Escola (…). Poucos dias depois de lá ter entrado, tomei parte numa manifestação patriótica em plena rua. Havia sido proclamada a República e um entusiasmo geral, indescritível, apoderou-se de toda a gente. O professor mostrou-nos os retratos dos principais paladinos do novo regime, e em palavras firmes e concisas, fez-nos uma prelecção. Eu era muito criança, e não entendi bem o que nos disse, mas no entanto fiquei a saber que as coisas tinham mudado para melhor, que se ia fazer justiça (…). Saímos para a rua, e unidos percorremos a vila, empunhando a bandeira verde-rubra e entoando a Portuguesa. Foi um delírio! (…). Os gritos espontâneos, patrióticos, de vivas à Pátria e à República surgiam por todos os lados. Fomos envolvidos por uma massa compacta de povo e as casas ficaram sem ninguém»[43].
Dias após a festa descrita por Dário Bastos, o «Maria da Fonte» relatava uma situação caricata: tendo o governador civil de Braga nomeado o médico Abílio Areias para administrador do concelho, «escolha acertada», no dizer do hebdomadário, obrigou-se o representante do governo a substituir o escolhido no curto espaço de umas poucas horas, por se ter verificado que essa nomeação era incompatível com as funções de facultativo municipal que o Dr. Areias exercia. Para o substituir, foi então nomeado outro clínico, simpatizante dos ideais republicanos: o Dr. Adriano Vieira Martins[44].
A posse do novo administrador teve lugar no dia 10 de Outubro, no edifício dos Paços do Concelho, notando-se «pouco entusiasmo do povo»[45]. À cerimónia «assistiram vários cavalheiros desta vila», tendo discursado, para enaltecer as qualidades de Adriano Martins, o escritor e jornalista José da Paixão Bastos, seu antigo colega no Liceu de Braga. Digna de registo é, também, a presença do já então já ex-administrador, o monárquico padre Júlio Augusto Ferreira Sampaio que, solenemente, num bem articulado discurso, afirmaria aos presentes: «Neste momento histórico preciso frisar bem que se ontem combatia com lealdade ao lado da monarquia, que baqueou, hoje, em face do novo regime, diante do qual me curvo respeitosamente, se ele procurar a integridade e bem-estar da pátria e não hostilizar a religião de que sou ministro, não ponho dúvida em exclamar: bem-vindo seja esse regime, viva a república portuguesa!»[46] 
Terminada a posse e os discursos, e enquanto no exterior do edifício a banda dos Bombeiros Voluntários tocava «A Portuguesa» perante o já referido pouco entusiasmo do povo, foram nomeados os restantes membros da comissão municipal, hasteada no edifício da municipalidade a bandeira vermelha e verde e proclamada a República[47].
Integravam a Comissão Municipal[48] os senhores: Álvaro Ferreira Guimarães, Inácio Peixoto de Oliveira e Castro, Emílio Geraldo Alves Vieira Lisboa, Alberto Carlos Vieira Alves, Júlio Celestino da Silva e João Alberto de Faria Tinoco[49]. A Comissão reuniu logo após a posse, tendo deliberado, por proposta do seu presidente, que as sessões ordinárias se «effectuassem às segundas-feiras de cada semana pela uma hora da tarde e quando algum d’esses dias seja sanctificado ou feriado a sessão será effectuada no dia seguinte»[50].
A segunda reunião daquele órgão teve lugar a 17 de Outubro, e, nessa primeira sessão, Júlio Celestino da Silva era já identificado na acta da Comissão como «administrador do Concelho (…), no impedimento do administrador effectivo, Doutor Adriano Vieira Martins», tendo na qualidade assumido a presidência da Comissão Administrativa[51]. A escolha não ficou registada em acta, mas, segundo o semanário «Maria da Fonte», Júlio Celestino havia sido escolhido pelos seus pares para vice-administrador do concelho e para vice-presidente da Câmara na sessão de 10 de Outubro[52]. Celestino assumia, assim, pouco mais de um ano depois de ter casado para o concelho e alguns meses apenas após se ter instalado na Vila da Póvoa como comerciante, em efectividade de funções, os dois cargos mais relevantes da política local: o de administrador do concelho e o de presidente da comissão municipal.
O edifício dos Paços do Concelho foi dotado, nesta ocasião, de um busto da República por si oferecido[53].
 
DA POLÍTICA PARA OS BOMBEIROS

Júlio Celestino da Silva cumpriu, na Câmara, apenas um mandato, e mesmo assim faltando à maioria das sessões. Foi empossado no dia 10 de Outubro de 1910 e, na primeira reunião ordinária do órgão, que teve lugar a 17 do mesmo mês, estando ausente, por impedimento, o administrador efectivo, Adriano Vieira Martins, era já Celestino quem se encontrava investido administrador do concelho e, nessa qualidade, presidente da Comissão Municipal. 

Os bombeiros em 1912, após a reorganização


Apesar da posse ter ocorrido poucos dias antes, o impedimento de Adriano Martins não era momentâneo já que, nesta mesma sessão de 17 de Outubro, e porque a Comissão não podia funcionar com apenas seis elementos, tinha sido chamado a ocupar lugar no executivo o cidadão Remígio de Jesus Valle Rego, «como vogal substituto, nomeado pelo Senhor Governador Civil, o qual achando-se presente tomou a respectiva posse e fez declarações do estilo entrando neste acto em exercício»[54].
Na primeira reunião por si conduzida, Júlio Celestino apresentou «um mapa das dívidas activas à Câmara Municipal (foros e contribuições directas), propondo: que com toda a urgência, sejam os devedores compellidos a pagar os seus débitos à Câmara visto que isso, não só, representa augmento de receita para a Commissão, mas também um princípio de moralidade», proposta aprovada por todos os presentes[55]. São ainda da sua autoria as propostas políticas aprovadas pela comissão municipal, como um voto de «profundo sentimento» pelo falecimento do «abalisado medico e psychiatra Doutor Miguel Bombarda» e outro pelo «chorado Almirante Candido dos Reis, e ainda pelo de todas as victimas feitas pela ultima revolução e um voto de congratulação pela proclamação e implantação da Republica em Portugal»[56].
Mas apesar do empenho demonstrado nas primeiras sessões, Júlio Celestino virá a afastar-se muito rapidamente da câmara. No dia 12 de Dezembro de 1910, escassos sessenta dias depois de empossado, deixa de comparecer às reuniões. A 19 do mesmo mês, apresenta ao órgão a que pertencia um requerimento a solicitar que lhe sejam concedidos trinta dias de licença, invocando, para tal ausência, muitos afazeres profissionais[57]. A autorização é-lhe concedida e os seus pares decidem-se pela eleição de um novo vice-presidente, «para que, nas faltas, substitua o administrador e seu substituto que tem presidido às sessões da Comissão». Foi então eleito Álvaro Ferreira Guimarães, presidente da Câmara aquando da queda da Monarquia[58]. Adriano Martins virá a retomar o seu lugar de presidente em 23 de Março de 1911, mas Júlio Celestino mantém-se ausente das sessões, às quais voltará apenas em quatro de Janeiro de 1912[59]. Nesta data, volta a ser discutida a questão das hierarquias, por se achar ausente o administrador efectivo e Celestino foi eleito vice-presidente.
Na sessão de 15 de Fevereiro do mesmo ano, Júlio Celestino apresenta à Câmara uma proposta para que esta concedesse um subsídio de 72$000 reis à Corporação dos Bombeiros. Invoca, na introdução à proposta, que «por iniciativa d’uma comissão de vários cidadãos desta Villa, se projectava constituir uma associação de bombeiros voluntários» e que a mesma «já tem elaborado um projecto de estatutos, que tenciona apresentar às estações competentes e que tratando de angariar meios para levar a efeito tão útil como prestimosa instituição, já tem conseguido valiosas adesões particulares, pedindo também esta Comissão um subsídio anual que, de harmonia com as forças do cofre municipal, a auxilie a levar a efeito, melhoramentos tão importantes para esta Vila e Concelho, oferecendo-se à Câmara uma ocasião muito oportuna para, mostrando os seus sentimentos altruístas e o zelo pelos interesses dos seus munícipes, concorrer para que esta Vila seja dotada de com um serviço de extinção d’incendios que a lei preserve como despesa obrigatória das Câmaras Municipais (…), em vista do que propõe que a Câmara conceda à dita Comissão um subsidio anual de setenta e dois mil reis». A proposta foi provada por unanimidade[60].
Trata-se da última reunião da Comissão Municipal a que Celestino se encontra presente. A 21 de Março de 1912 as suas sucessivas ausências foram alvo de análise e discussão, sendo a comissão informada pelo secretário e por alguns vogais que «o vice-presidente Júlio Celestino da Silva dissera que não comparecia mais, às sessões da Comissão Municipal, e, como este senhor não tem comparecido, a Comissão delibera nomear vice-presidente para o substituir (…), sendo eleito por cinco votos Álvaro Ferreira Guimarães»[61].
As reuniões seguintes passam a ser presididas,  ora por Álvaro Ferreira Guimarães, ora por Adriano Vieira Martins, o administrador efectivo que, na sessão de 10 de Maio, alegando que o código administrativo lhe não permite exercer os cargos de administrador do Concelho e de presidente da Câmara, cumulativamente, tendo, para tal, sido chamado à atenção pelo Governo Civil. Questiona então os seus pares no órgão sobre se deverá demitir-se ou pedir a exoneração de toda a Comissão, os quais, por solidariedade para com o seu, até então, presidente, decidem demitir-se em bloco, o que leva o Governo Civil a nomear novo executivo, que vem a ser empossado no dia três de Julho de 1913.
Para esta nova câmara são nomeados, como membros efectivos: Álvaro Ferreira Guimarães, Inácio Peixoto de Oliveira e Castro, Alberto Carlos Vieira Alves, João Alberto de Faria Tinoco, Remígio de Jesus do Valerrego, António Joaquim Rodrigues de Barros e Constantino José Lopes, sendo substitutos: Júlio Rodrigues de Sá, Manuel José Vieira Ramos, Justino José da Silva e Sá, Joaquim Firmino Vieira e Brito, Delfim Barbosa e Castro, João Alves e Narciso José da Fonseca Oliveira. Na primeira sessão os efectivos elegeram para presidente Álvaro Ferreira Guimarães e para vice-presidente Alberto Carlos Vieira Alves[62].
Júlio Celestino encontrava-se definitivamente, e ao que tudo indica por vontade própria, arredado da Câmara[63].O que o terá levado a uma participação tão intermitente nos trabalhos do órgão dirigente do município e a abandoná-lo, definitivamente, quando se encontrava numa posição de destaque? As actas da Câmara não o referem expressamente, mas, a esse auto-afastamento, não devem ter sido alheios dois factores: por um lado, o «difícil feitio» do nosso biografado[64], mau-feitio esse reconhecido até no seio da própria família; por outro, vão-se fazendo notar aqui e ali alguns conflitos de opinião entre o republicano convicto, simpatizante dos ideais do socialismo, que era Júlio Celestino, e o «espírito de continuidade» que caracterizava a maioria dos restantes membros da Comissão Municipal, dado até o facto de grande parte desses elementos virem já de idênticos cargos desempenhados durante as últimas décadas da Monarquia.

NA REORGANIZAÇÃO DOS BOMBEIROS

Em Fevereiro de 1912, depois de fazer aprovar o já referido subsídio anual  de 72$000 reis à Corporação de Bombeiros na última reunião da Comissão Municipal em que participou, Júlio Celestino da Silva assume um papel activo num grupo que se propunha pôr de novo a funcionar a Corporação[65]. Nessa comissão de refundação, onde Júlio Celestino ocupava o cargo de tesoureiro, cabendo-lhe operar o milagre de gerir o pouco dinheiro conseguindo, estão, ainda, João da Silva Mouta, João Henrique Vasconcelos Rocha, José Cândido Rebelo Sampaio, João Albino de Carvalho Bastos e João António Vieira Antunes. A auto intitulada «comissão administrativa» passa a reunir-se frequentemente, procurando apoios monetários, encetando a redacção de uns estatutos, captando novos membros para o Corpo Activo, procedendo a acções de formação desses novos Soldados da Paz, leccionadas por bombeiros contratados fora, e comprando os materiais necessários ao seu desempenho em favor da comunidade. Pugna, ainda, pela eleição de uma direcção definitiva que substitua a comissão administrativa. As ajudas monetárias vão chegando aos poucos. O «brasileiro» António Ferreira Lopes — ele, uma vez mais —, contribuiu com o empréstimo do quartel e com duzentos mil réis em dinheiro. Outro tanto era oferecido por Francisco Antunes de Oliveira Guimarães, outro «brasileiro», este Senhor da «Villa Beatriz», de Santo Emilião. Nas contas da Corporação entram outras ajudas, mais pequenas, mas ainda assim significativas.
Após a instrução dos cerca de vinte e cinco homens que se inscreveram como voluntários, chega a hora de os homens da casa tomarem a condução da corporação. Entre os instruendos, destacam-se pelas suas capacidades de chefia e agilidade física Júlio Celestino e Henrique Vasconcelos Rocha. Cabe a este último, o mais velho dos dois, assumir o comando. Celestino aceita o cargo de segundo-comandante, pronto para intervir em qualquer impedimento do comandante. Mas havia ainda muito trabalho pela frente. Quando a Corporação passou a funcionar em pleno, tornou-se necessário mantê-la e não deixar que, a exemplo do que acontecera alguns anos antes, caísse de novo na desorientação, desorganização, no descrédito e na inacção[66].
Em Novembro de 1913 tiveram lugar eleições gerais e municiais. Embora afastado da política municipal, Júlio Celestino da Silva é ainda uma figura estimada, sendo escolhido como candidato pela secção do Partido Republicano da Póvoa de Lanhoso ao cargo de procurador à Junta Distrital de Braga[67]. Na lista de candidatos aos órgãos municipais pelo mesmo partido, encabeçada por Adriano Vieira Martins, integrava-se o seu sogro, João José Simões Veloso de Almeida. Embora a esta eleição tivessem começado por concorrer três listas (a do PRP, a dos «oposicionistas» e uma terceira, que integrava como concorrente o padre Joaquim da Silva de Jesus e Sousa, apoiado por um grupo de cidadãos eleitores[68]), a verdade é que só a da PRP se manteve até ao acto eleitoral obtendo, assim, todos os mandatos a concurso para a Câmara. Segundo a lei, cabia à Câmara eleger, dentre os seus membros, a Comissão Executiva Municipal, composta por sete vereadores, os quais, de seguida e entre eles, procediam à eleição de um presidente. A escolha recairia em João José Simões Veloso de Almeida, que viria a ser sucessivamente reeleito, mantendo-se no cargo por três mandatos, até 1918[69].

A DOENÇA E O TRESPASSE DA «LOJA CENTRAL»

No plano financeiro, a «Loja Central» dava a Júlio Celestino a estabilidade necessária para levar uma vida digna. Não enriqueceu, mas o seu empenhamento social também aponta para que nada tenha feito por isso. «Dizia-se que ia confortar os presos da cadeia pública, levando-lhes remédios e comida e tratando dos doentes que lá penavam o desconforto do carcerário»[70]. Esta sua faceta, aliada à que o levou a deixar os prestigiantes e compensatórios cargos na política[71] para assumir o de batalhador na corporação dos Bombeiros, mostram que Júlio Celestino da Silva não era um comum simpatizante dos valores da «liberdade, igualdade e fraternidade» por parecer bem, mas um homem que assumiu com garra um caminho de doação aos outros.
A sua conduta social e familiar, sendo um anti-clerical num território onde a Igreja continuava a pontificar, mesmo depois da vitória dos republicanos, merecia a admiração de grande parte da população da vila. Entre os seus amigos, contavam-se algumas das figuras mais distintas da terra e até deputados do Partido Republicano Português, de Afonso Costa, do qual foi sempre um leal seguidor. De tal modo era respeitado e admirado que, nos inícios do mês de Dezembro de 1916, foi nomeado por despacho superior, «para esta comarca [da Póvoa de Lanhoso] subdelegado do Procurador da Republica»[72].
«Grande negociante desta terra», chama-lhe na década de 1916 o jornalista e seu amigo João Carvalho, proprietário do jornal «Maria da Fonte». Mas não o será já por muito tempo: no ano seguinte Celestino adoece, e a sua vida começa a desenhar-se de outra forma.
Na Primavera de 1917 manda proceder a um balanço das existências na sua «Loja Central», com a intenção de a trespassar[73]. Poder-se-ia pensar que o estabelecimento estaria em crise, como em crise se encontrava toda a Europa envolvida a primeira Grande Guerra, e que isso levava Júlio Celestino a desfazer-se ele. Mas a realidade é outra. No dia 16 de Maio desse mesmo ano trespassou, através escritura pública lavrada perante o ajudante de notário Alberto César Leite, com todo o recheio, a «Loja Central» ao seu até aí empregado Armando Queiroz[74]. O negócio, cujo valor se baseia num inventário feito por ambos os intervenientes no negócio, rende-lhe «dez contos quinhentos e noventa e sete escudos e dez centavos», sobre o qual recebeu de imediato cinco contos de réis, sendo os restantes cinco mil quinhentos e noventa e sete escudos e dez centavos assumidos pela emissão de duas letras comerciais «que ficam em poder do primeiro outorgante [Júlio Celestino] até serem pagas»[75]. A escritura deixa-nos uma outra informação esclarecedora: a de que «não poderá continuar à frente da gerência do mesmo estabelecimento, por falta de saúde».
Desligado do estabelecimento, Júlio Celestino e a família residem ainda alguns meses no piso superior do edifício em cujo rés-do-chão se situa a «Loja Central», que trazia arrendado a Emílio António Lopes. Mas, após no fim do Verão de 1917, acaba por entregar a casa a Armando Queiroz, que aí instalou a sua residência, mudando-se com a mulher e filho recém-nascido para um dos edifícios contíguos ao Theatro Clube, o qual, à época, estava ao serviço da corporação de Bombeiros.

O SEGUNDO FILHO E A SOMBRA DA DESGRAÇA

Quando, no Outono de 1916, D. Virgínia das Dores se achou grávida pela segunda vez, enchendo de alegria a residência da família Celestino na Praça Municipal, havia já muita vida a correr pelos cómodos da casa. Juju, filha primeira do casal nascida em 1912, contava quatro anos de idade e era um furacão de saúde e de alegria. Agora, para completar a sua felicidade, Júlio Celestino desejava que esta criança que vinha a caminho fosse um rapaz.
Entretanto o Inverno chegou, trazendo com ele as chuvas e o frio característicos do Noroeste peninsular. Como que ronronando, os dias sucediam-se com serenidade, apesar das violentas movimentações que no centro da Europa davam forma à primeira Grande Guerra, causadora de enormes dificuldades também no nosso país. Portugal, que nos dois primeiros anos se mantivera afastado do cenário de guerra, enviou em Janeiro de 1917 os seus primeiros soldados para França. Em Fevereiro partiu o segundo contingente e, em inícios de Abril, as tropas nacionais chegaram à frente de batalha. A barriga da mamã Virgínia desenvolvia-se a olhos vistos enquanto de França chegavam notícias das primeiras vítimas entre portugueses. Por esta altura, a saúde de Júlio Celestino começou a fraquejar.
E foi sob essa psicose de guerra, quanto Júlio Celestino começava a sentir os primeiros sintomas da doença que não mais o largaria e em terras francesas milhares de portugueses se posicionavam para dois anos de duríssimas penas, que o segundo filho do casal nasceu: eram treze horas do dia 24 de Maio de 1917.


Os filhos: António e Juju

A criança veio ao mundo na casa de residência de família, sita à Praça do Município, no coração da Póvoa de Lanhoso, três dias depois de Júlio Celestino ter trespassado a sua «Loja Central». Decidiram dar-lhe o nome de António, homenagem ao avô paterno, e os apelidos de Simões Celestino da Silva. Foi ainda o próprio pai que, no dia 1 de Junho, apesar de doente, se deslocou ao Cartório Notarial para registar o pequeno, o qual viria a ter por padrinhos os tios maternos D. Lídia Maria e padre José Carlos Simões Veloso de Almeida[76].
A alegria provocada pelo nascimento do pequeno António viria, contudo, a ser coarctada por enorme tragédia. Pouco mais de duas semanas após o nascimento do irmão, a pequena Juju, Júlia Virgínia Simões Celestino da Silva de seu nome completo, adoeceu de repente com Garrotilho. Garrotilho era uma expressão popular que se utilizava em Portugal, nos inícios do século XX, para designar a laringotraqueobronquite, doença que se manifestava através da inflamação, inchaço e acumulação de muco na laringe e cordas vocais, traqueia e brônquios, e se declarava especialmente em crianças com até 5 anos. Tratava-se de uma patologia que causava grande sofrimento e que, ao tempo, era em muitos casos mortal.
Na edição do jornal “A Maria da Fonte” de 15 de Julho de 1917, deparámos com a notícia que abalou ainda mais profundamente o já debilitado Júlio Celestino, e que deixou de rastos a sua esposa, D. Virgínia das Dores. Escreve o hebdomadário que, «no passado domingo [dia 8 de Julho], faleceu nesta vila, vítima de Garrotilho, a menina Júlia Virgínia, filha do Sr. Júlio Celestino da Silva e de sua esposa D. Virgínia Simões Veloso de Almeida». A nota acrescenta que a menina tinha cinco anos de idade, «que era o enlevo dos pais, mas ao mesmo tempo a alegria de todos os que na pequena vila a conheciam e apreciavam pela sua alegria e pela sua inteligência. Chamavam-lhe todos pequena Juju, e a Póvoa de Lanhoso ficou profundamente chocada com a sua morte inesperada».
O funeral da menina teve lugar na manhã de segunda-feira, dia 9, saindo da capela particular de S. Gonçalo para o cemitério municipal da Póvoa de Lanhoso. O pequeno féretro foi transportado num carro fúnebre da Associação de Bombeiros, e, a segui-lo, via-se toda a corporação, fardada e devidamente alinhada, com a respectiva bandeira à frente, comandada pelo 1º Patrão, Sr. João Antunes, por se achar enfermo o 1º Comandante João Henrique Rocha. O acompanhamento de toda a Corporação dos bombeiros, era, dizia o jornal, uma homenagem ao seu antigo segundo-comandante Júlio Celestino, pai da extinta menina[77].
Este demolidor episódio mexeu profundamente com a saúde daquele pai dedicado, com a da esposa e, de resto, com a de toda a família e amigos. Sabemos já que, um mês antes do falecimento da filha, Júlio Celestino decidiu trespassar a sua loja por não ter saúde para continuar a geri-la. Coloca-se-nos aqui uma pergunta para a qual não temos resposta: estaria já doente a menina ou não terá passado de uma triste coincidência a doença de ambos? Não o sabemos, mas é certo que, depois da morte da filha, Júlio Celestino não mais voltou a recuperar completamente a sua saúde.
Não deixa de ser estranho, aliás, que a notícia que a que aludimos fale de Júlio Celestino como «antigo segundo comandante dos Bombeiros», mostrando que também na sua doação à Corporação tinha havido reflexos. O desânimo, a saudade e o desespero podem constituir-se como a pior das doenças.
Entretanto, a Guerra continuava. Em Abril de 1917, com o fim do ministério da «União Sagrada», Afonso Costa regressa ao cargo de primeiro-ministro substituindo António José de Almeida. No país, as sequelas da Guerra são cada vez mais problemáticas e em meados de Maio ocorrem em Lisboa graves confrontos populares e assaltos a mercearias que causam a morte de mais de vinte pessoas. A fome generalizava-se. A 5 de Dezembro de 1917, Sidónio Pais encabeça uma revolução que o levará à chefia do Estado após a demissão forçada do presidente Bernardino Machado. Inicia-se um ano de poder sidonista. Com Sidónio, o apoio aos soldados portugueses em França diminuiu. Até que, em 9 de Abril de 1918, numa planície pantanosa banhada pelo Rio Lys e seus afluentes, as forças portuguesas são massacradas pelas Alemães. O Corpo Expedicionário Português perdeu mais de mil e tezentos homens, contabilizando-se ainda 4.626 feridos, 1.932 desaparecidos e 7.440 prisioneiros. Portugal dobrou-se de comoção.
No dia 5 de Outubro de 1918, na sequência dos festejos realizados na Póvoa de Lanhoso para comemorar «a gloriosa data de 5 de Outubro» durante a qual, com música e fogo-de-artifício à mistura foram hasteadas bandeiras da República no edifício da Câmara Municipal, posto da GNR e em «muitas casas particulares», ainda Júlio Celestino da Silva, já gravemente enfermo, subscrevia, com outras figuras republicanas da terra[78], um telegrama de saudações «aos intrépidos campeões da democracia e genuínos representantes, na imprensa, dos velhos ideais republicanos», enviado aos jornais «Mundo» e «República», telegrama esse que saudava como verdadeira República aquela que foi fundada em 5 de Outubro, afirmando-se os subscritores convencidos de que «só dela [a verdadeira República fundada em 5 de Outubro] é que podem vir a regeneração e o engrandecimento da Pátria amada»[79]. Tratava-se de uma mensagem que pugnava pela ordem velha, em vez da «República Nova» que Sidónio Pais, cada vez mais virado para os apoios que lhe chegavam da extrema direita, tentava impor pela força. Júlio Celestino, «republicano de outro tempo», simpatizante das ideias de Afonso Costa em cujo PRP era filiado, não podia, mesmo que a morte estivesse já às portas da sua existência, e estava, deixar de assinar este documento: ele constituía-se como que o seu testamento político[80].

A MORTE PREMATURA

De facto, a morte demorou apenas alguns dias a chegar: a 10 de Outubro de 1918, contando apenas 35 anos de idade, Júlio Celestino da Silva fechava os olhos para sempre na sua residência, no Largo António Ferreira Lopes. O seu falecimento, causado por complicações bronco-pneumónicas num tempo assustador em que a doença ceifava vidas em toda a Europa, causou grande tristeza nos seus conterrâneos. Acabava de se finar um cidadão que se destacara nos mais elevados cargos administrativos do município mas que, acima de tudo, vivera como homem de bom coração, amigo dos menos dotados de bens de riqueza.
No dia 11 de Outubro, da parte da manhã, foi o cadáver do extinto transportado para o cemitério público de Braga, onde seria sepultado. Mas o seu corpo frio não seguia sozinho: noutro pequeno caixão de cor branca, depositado ao lado do seu, seguiu, para repousar em paz no mesmo jazigo, o corpo da sua filha Juju, falecida pouco mais de um ano antes. As urnas — a do pai e a da menina — foram transportadas na carreta fúnebre dos Bombeiros Voluntários da Póvoa de Lanhoso. E era exactamente pela bandeira da Corporação de Bombeiros que a urna do malogrado Júlio Celestino ia coberta.
Tirado por duas parelhas de cavalos, o veículo fúnebre foi acompanhado até ao entroncamento do Horto por toda a Corporação, devidamente fardada, e por um enorme número de amigos e admiradores que aqui contava. Alguns conduziam ricas coroas com sentidas dedicatórias, sendo, durante o respectivo trajecto, organizados três turnos para pegar às borlas. A chave do caixão foi confiada ao Dr. Adriano Simões Veloso de Almeida, cunhado do extinto. Do entroncamento do Horto seguiram os cadáveres para a cidade de Braga, acompanhados por uma coluna de dez trens nos quais tomavam assento amigos do falecido e elementos dos Bombeiros. «Por expressa vontade do finado, o seu enterro, que recomendou modesto, foi feito civilmente»[81].
Na capital do distrito, junto ao cemitério, o cortejo fúnebre era aguardado por centenas de pessoas e por deputações dos Bombeiros Voluntários e Municipais da cidade. Na hora de ser inumado no jazigo de família, proferiram palavras em homenagem ao morto os doutores Adriano Martins e Pedro Veiga[82].
Ao Dr. Adriano Vieira Martins, chefe do Partido Republicano no concelho, foi a treze desse mesmo mês, enviada pelo deputado Domingos Pereira, eleito pelo Círculo de Braga, uma carta onde escreveu:

«Com dolorosíssima surpresa li nos jornais a notícia da morte do pobre Júlio Celestino.
Que horríveis tempos estes, sob todos os aspectos! Não sabia que Júlio Celestino tivesse estado doente e por isso calcula o meu amigo a impressão que me produziu a notícia abrupta do seu falecimento.
Perdeu-se um dedicado e sinceríssimo republicano e uma boa alma.
Ao meu amigo, chefe prestigioso dos republicanos nesse concelho, quer significar o meu desgosto e apresentar-lhe a expressão do meu sentimento, que peço estenda aos nossos correligionários desse concelho e à família enlutada».

Com Sidónio na presidência, o país adaptou-se muito rapidamente à «República Nova» e as mudanças não tardaram. Na Póvoa de Lanhoso, a Comissão Municipal presidida por João José Simões Veloso de Almeida foi destituída em finais de Dezembro de 1917, poucos dias depois do golpe que levou o «presidente-rei» ao poder, e, entre Janeiro e Setembro do ano seguinte foram empossados dois executivos sidonistas, presididos, o primeiro pelo farmacêutico Manuel Inácio de Matos Vieira (posse a 02.01.1918), e o segundo pelo proprietário agrícola Alberto Carlos Vieira (posse a 16.09.1918)[83]. A Comissão Municipal em exercício à data da morte de Júlio Celestino não registou em acta uma palavra sobre o desaparecimento deste seu antigo membro.
Nos meses seguintes, os jornais continuaram a noticiar centenas de mortes causadas pela «Pneumónica» em todo o país. Na terra de Lanhoso, o foco da doença, que tivera grande impacto em Travassos, Brunhais, Sobradelo da Goma e Oliveira nos meses de Maio e Junho e que atravessara a Vila com estrondoso impacto mortal nos meses de Setembro e Outubro, grassava com especial força em finais de Outubro para Novembro nas freguesias de Geraz do Minho, Ajude e Rendufinho, nas quais os clínicos Abílio Areias, Adriano Martins e Pinto Bastos se mostravam incansáveis no apoio aos doentes e sua famílias. Em Novembro a epidemia crescia ainda, sendo formada uma «Comissão de Socorros aos Pobres», presidida por António Ferreira Lopes, que deu um primeiro contributo de 200 mil reis. As verbas que a comissão foi conseguindo juntar, eram utilizadas em senhas para remédios, alimentação e agasalho para os pobres. Os doentes eram tantos que, encontrando-se repleto deles o Hospital António Lopes, chegaram alguns a ser albergados na casa do capelão do Horto, mobilizada para «hospital de griposos»[84].
Viúva, com um pequeno filho nos braços, D. Virgínia das Dores Simões Veloso de Almeida Celestino da Silva teria ainda pela frente um longo processo para arrumar as contas do seu casamento. O inventário orfanológico demorou cerca de um ano a ficar concluído. Com o apoio do irmão advogado, o Dr. Adriano Carlos Simões Veloso de Almeida e a ajuda do pai, João José Simões Veloso de Almeida, acabaria por pagar algumas dívidas que o casal contraíra no último ano. Recebeu também alguns créditos que tinha em carteira. O pai comprou, em hasta pública, os bens imóveis inventariados e sitos em São João de Rei e Monsul, que pertenciam ao casal através da herança de Dona Virgínia das Dores por morte de sua mãe. No final das contas, recebidos os débitos e pagos os créditos, sobejam 10.650$91[85]. Muito pouco para quem tanto perdeu e tinha nos braços um filho de três anos para criar.
Enquanto o processo orfanológico corria, D. Virgínia Simões Veloso de Almeida abandonara a vila da Póvoa, recolhendo-se de novo à secular Casa do Ribeiro onde nascera e crescera, onde residiam as raízes dos seus avoengos e onde encontrou a familiaridade nas vozes dos parentes, nas paredes grossas de granito e barro que guardam sempre memórias e de cujas janelas alcançava, lá bem ao longe, a linha do horizonte da sua meninice. No fundo, voltava a ser na velha casa que a família habitava há séculos, que Virgínia das Dores podia contar com o apoio incondicional de todos os seus.
D. Virgínia morreu em São João de Rei a 16 de Dezembro de 1977.

A FECHAR

Volto a pegar o retrato de Júlio Celestino da Silva que me mostra um homem de olhos serenos e meigos, de bigode «à Kaiser», aparentado ter de vinte e cinco para trinta anos. Olho-o, e tento adivinhar o que lhe estaria no pensamento enquanto se encontrava frente à câmara do fotógrafo, fixando a lente. Recordo que a fotografia que tenho em mãos está cronologicamente mais próxima ao seu tempo de glória que ao seu tempo de sofrimento, e pergunto-me: e se o homem fosse capaz de adivinhar o seu futuro? Felizmente, assim não acontece. Por isso, naquele dia em que se deixou prender na película de uma câmara fotográfica, Júlio Celestino da Silva estava, parece-nos, longe de adivinhar os seus tempos mais próximos, o seu fim.
Vou guardar o retrato. Já conheço a parte da sua história que era possível estudar. Mas a minha pergunta — onde teria chegado Júlio Celestino se a morte o não tivesse levado tão cedo? — ficará para sempre sem resposta. É assim a vida. E a História, feita com seriedade, apenas pode reflectir o que efectivamente aconteceu.



[1] Licenciado em História e Doutorando em História Contemporânea pela Universidade do Minho; Bolseiro da FCT e Investigador do CITCEM/Universidade do Minho.
Publicado in: Lanyoso, revista de cultura da Câmara Municipal da Póvoa de Lanhoso, nº 3, 2010, pp. 69-101.
[2] CELESTINO, António - Uma Vida em Si Menor, Bahia, Quarteto Editora, 2006, p.27.
[4] Para um melhor conhecimento do tema cf. SILVA, Armando Malheiro - Sidónio e Sidonismo, 2 vols., Coimbra, Imprensa da Universidade de Coimbra, 2006.
[5] O Hospital António Lopes, fundado a expensas exclusivas do «brasileiro» que lhe deu nome, foi inaugurado a cinco de Setembro de 1917.
[6] Biblioteca Municipal da Póvoa de Lanhoso (doravante BMPL) - «Maria da Fonte» de 3 de Novembro de 1918.
[7] BMPL - «Maria da Fonte» nº 1212, de 27 de Outubro de 1918.
[8] BMPL - “Maria da Fonte” de 12 de Outubro de 1918.
[9] CELESTINO, António - O. c., p. 33.
[10] Arquivo Distrital de Braga (doravante ADB) – Assentos paroquiais de Braga (paróquia de S. Victor), livro misto nº 12, assento 121, fl. 41.
[11] Quando faleceu, em 1918, para além de outros bens imóveis que possuía em São João de Rei e lhe pertenciam por via do casamento com D. Virgínia Simões Veloso de Almeida, Júlio Celestino da Silva era dono de um imóvel em Braga, sito à rua do Colégio, da freguesia de Santiago. Esta casa deve ter-lhe sido doada, tal como um jazigo no cemitério da mesma cidade, por seu tio e padrinho Padre Júlio Celestino da Silva. A rua do Colégio «era entre o largo de São Paulo e a rua do Forno». Cf. OLIVEIRA, Eduardo Pires de - Estudos Bracarenses: 1 – As alterações toponímicas (1380-1980), Braga, ASPA, 1982, p. 29.
[12] Citado em GONÇALVES, Maria Neves Leal - Contributos para a história da educação cívica em finais da Monarquia, p. 24. http://www.grupolusofona.pt/pls/portal/docs/PAGE/OPECE/APRESENTACAO/OBJECTIVES/RESEARCH%20GROUPS/SCHOOL%20MEMORIES%20IN%20THE%20LUSOPHONE%20SPACE/MEM%C3%93RIAS%20DA%20EDUCA%C3%87%C3%83O%20NO%20ESPA%C3%87O%20LUS%C3%93FONO/CONTRIBUTOS%20PARA%20A%20HIST%C3%93RIA%20DA%20EDUCA%C3%87%C3%83O%20C%C3%8DVICA%20EM%20FINAIS%20DA%20MONARQUIA.PDF [20.07.2010]
[13] Para um melhor conhecimento dos problemas do ensino em Portugal no período em análise, cf. RAMOS, Rui - “‘O chamado problema do analfabetismo’: as políticas de escolarização e a persistência do analfabetismo em Portugal (século XIX e XX)”, in Ler História, nº 35, Lisboa, ISCTE, 1998, pp. 45-70.
[14] CELESTINO, António - O. c., p. 27
[15] CELESTINO, António - O. c., p. 33.
[16] Arquivo da Casa do Ribeiro - pasta dos passaportes.
[17] ADB – Assentos paroquiais, paróquia de S. João de Rei, 1888, assento nº 8, fl. 42.
[18] João José Simões Veloso de Almeida era natural de  S. Mamede de Gondariz, concelho de Terras de Bouro, filho de António Vicente Simões e de D. Maria Rosa Velloso de Almeida. D. Rita Joaquina de Almeida, sua esposa, era natural de S. João de Rei, oriunda da Casa do Ribeiro e filha de Francisco Manuel de Almeida e de sua mulher Maria Joaquina Esteves Ribeiro.
[19] Cartório Notarial da Póvoa de Lanhoso - livro de assentos de casamento da paróquia de S. João de Rei de 1909, assento nº 3.
[20] Arquivo Municipal do Porto (doravante AMP) - “O Povo de Lanhoso”, (II série), de 19 de Setembro de 1910
[21] Cartório Notarial da Póvoa de Lanhoso - livro de assentos de casamento da paróquia de S. João de Rei de 1909, assento nº 3.
[22] AMP - “O Povo de Lanhoso», (II série), de 19 de Setembro de 1910
[23] Esta casa comercial, com a designação de «Loja Central», foi efectivamente fundada por João Albino de Carvalho Bastos. Mas já existia com outra designação desde os finais do século XIX, dedicando-se ao comércio de mercearias, sendo então pertença de seu pai, António de Carvalho Bastos.
[24] ADB - Fundos Notariais, Póvoa de Lanhoso (Notário Almeno Dídaco Leite da Costa e Brito), livro 782, fl. 47v.-40v.
[25] As três grandes casas comerciais que no primeiro quartel existiam na Póvoa de Lanhoso eram a «Loja Central», destinada ao comércio de artigos de senhora e para o lar; a casa de Álvaro Ferreira Guimarães, que comerciava artigos de vestir para homem, para além de livros, tabacos e cafés e de ter representações de bancos e companhias de seguros; e a «Casa Cirilo», que para além de calçados, vendia também utensílios e produtos destinados à agricultura e detinha, também, representações as mais variadas.
[26] Ao longo de alguns anos, Júlio Celestino aparece referido nas actas da Câmara, como fornecedor de mantas para os presos da cadeia, bem como de tecidos para cortinados no edifício dos Paços do Concelho.
[27] BMPL - “Maria da Fonte” de 18 de Setembro de 1910
[28] BMPL - “Maria da Fonte” de 28 de Julho de 1912.
[29] Cf. SANTOS, Pe. Manuel Magalhães dos, Monografia da Póvoa de Lanhoso. Nossa Senhora do Amparo. Jubileus, ed. Autor, Póvoa de Lanhoso, 1990.
[30] João Augusto Simões Veloso de Almeida, para além de advogado, foi notário na cidade de Braga. Em 1937 publicou um extenso trabalho intitulado «Comentário à Lei das Águas», o qual, com chancela da «Coimbra Editora» e prefácio do Doutor Fernando Andrade Pires de Lima, professor da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, se transformou numa obra de êxito. Refira-se que as leis referentes «às questões de águas» eram, à época, matéria a que nenhum advogado da província podia deixar de estar atento, dada a quantidade de querelas que especialmente «as águas do domínio privado» provocavam.
[31] Para além de ter exercido a profissão de advogado na Póvoa de Lanhoso e em Braga, Adriano Carlos Simões Veloso de Almeida destacou-se como professor da Escola do Magistério Primário, em Braga.
[32] BMPL - «Maria da Fonte» de 16 de Março de 1919. Segundo este semanário, Adriano Carlos Simões Veloso de Almeida foi um dos funcionários públicos que «se recusaram a reconhecer a autoridade da Junta Governativa do Porto», sendo por isso demitido das suas funções enquanto esta se encontrou no poder.
[33] CELESTINO, António - O. c., pp. 27-33.
[34] CELESTINO, António - O. c., pp. 27-33.
[35] CELESTINO, António - O. c., pp. 27-33.
[36] CELESTINO, António - O. c., pp. 27-33.
[37] Para um melhor entendimento dos movimentos políticos no Portugal dos finais do século XIX e dos inícios do seguinte, especialmente do movimento socialista, cf. MÓNICA, Maria Filomena, O Movimento Socialistas em Portugal (1875-1934), Lisboa, IN-CM, 1985.
[38] Cf. CORDEIRO, José Manuel Lopes - Desafios à República. Cidade Inconformada e Rebelde, colecção História do Porto, nº 13, Lisboa, QuidNovi, 2010, p. 9.
[39] Na década de 1890, foram estes dois homens que, nos jornais locais e não só, escreveram inflamados textos contra a Monarquia e em defesa de um regime republicano. A eles, juntava-se aquele que mais tarde viria a ser figura de relevo nacional, Gonçalo António Ferreira Sampaio. Porém, a partir do início do século XX, Gonçalo Sampaio inflectiu radicalmente na sua simpatia política, passando a assumindo-se como um fervoroso adepto da Monarquia. Foi apoiante de João Franco e, mais tarde, já catedrática da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto, participou mesmo nas ofensivas dos apoiantes de Paiva Couceiro, o que lhe valeu a prisão por alguns dias. Sobre este assunto, cf.  CABRAL, João Paulo, Gonçalo Sampaio. Vida e Obra, Pensamento e Acção, Póvoa de Lanhoso, Câmara Municipal, 2009, pp. 8-30.
Albino Bastos viria a emigrar para o Brasil na década de 1910, onde se formou em Direito e foi advogado com nome na praça do Rio de Janeiro.
[40] Gonçalo Sampaio foi, quando jovem, um dos mais acérrimos defensores da República. Porém, a partir do início do século XX, inflectiu as suas posições, assumindo-se como um fervoroso adepto da Monarquia. Foi apoiante de João Franco e, mais tarde, já catedrática da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto, participou mesmo nas ofensivas dos apoiantes de Paiva Couceiro, o que lhe valeu a prisão por alguns dias.
[41] BMPL - “Maria da Fonte”, de 9 de Outubro de 1910.
[42] BMPL - “Maria da Fonte”, de 9 de Outubro de 1910.
[43] Cf. Bastos, Dário - Rua, Porto, ed. Autor, 1968, pp. 13-14.
[44] BMPL - “Maria da Fonte” de 16 de Outubro de 1910.
[45] BMP - “Maria da Fonte” de 16 de Outubro de 1910
[46] BMPL - “Maria da Fonte” de 16 de Outubro de 1910
[47] BMPL - “Maria da Fonte” de 16 de Outubro de 1910
[48] Acta de posse: “Aos dez de Outubro primeiro anno da Republica de mil novecentos e dez sendo três horas da tarde, na Sala das Sessões da Camara Municipal compareceu o cidadão Doutor Adriano Vieira Martins, Administrador deste Concelho munido d’um documento official do cidadão Doutor Manuel Monteiro, Governador Civil do Districto de Braga pelo qual são nomeados para formar a Comissão Municipal que tem de desempenhar as attribuições de Camara Municipal deste Concelho da Póvoa de Lanhoso: effectivos: = Presidente Adriano Vieira Martins, Alvaro Ferreira Guimarães, Emilio Gerardo Alves Vieira Lisboa, Ignacio Peixoto d’Oliveira e Castro, Alberto Carlos Vieira Alves, João Alberto de Faria Tinoco e Julio Celestino da Silva. Em visto do que o mesmo Administrador conferiu a posse d’aquelle cargo aos referidos seis últimos cidadãos que neste acto se achavam presentes e declararam acceitar os logares de vogaes da referida Comissão Municipal, para desempenhar as attribuições de Camara Municipal no Concelho da Póvoa de Lanhoso, sendo-lhes ainda por elle administrador acceite a declaração de que exerceriam com honra e dignidade os cargos em que foram investidos. E por verdade e para constar se passa a presente que vai ser assinada depois de lida por mim Manuel José de Sá, secretario da Camara que a subscrevi”. Cf. AMPL - livro de actas nº 8, fl. 55.
[49] Da câmara anterior para a nova administração, transitaram Álvaro Ferreira Guimarães e João Alberto de Faria Tinoco.
[50] Arquivo Municipal da Póvoa de Lanhoso (doravante AMPL) - livro de actas nº 8, fl. 55v.
[51] AMPL - livro de actas nº 8, fl. 56.
[52] BMPL, “Maria da Fonte” de 16 de Outubro de 1910.
[53] Cf. “Maria da Fonte” de 23 de Fevereiro de 1919. Segundo este hebdomadário, aquando da “Monarquia do Norte”, o busto oferecido por Júlio Celestino em 1910 foi quebrado por uns militares que aqui se instalaram durante o levantamento chefiado por Paiva Couceiro. Após a derrota dos defensores da Monarquia, realizou-se na nossa vila, a 13 de Fevereiro de 1919, uma festa comemorativa da vitória republicana, sendo nesse dia descerrado um novo busto da República. Ofereceu o novo busto, tendo também procedido ao seu descerramento um menino de três anos de idade, António Celestino, o filho de Júlio Celestino da Silva.
[54] AMPL - livro de actas nº 8, fl. 56.
[55] AMPL - livro de actas nº 8, fl. 56.
[56] AMPL - livro de actas nº 8, fl. 56.
[57] AMPL - livro de actas nº 8, fl. 66.
[58] AMPL - livro de actas nº 8, fl. 66.
[59] AMPL - livro de actas nº 9, fl. 1v.
[60] AMPL - livro de actas nº 9, fl. 4v.
[61] AMPL - livro de actas nº 9, fl. 8.
[62] Cf. AMPL - livro de actas nº 9, fl. 56v.
[63] Em Agosto de 1913, o Dr. Adriano Martins deixa a administração do concelho, sendo substituído pelo presidente da Câmara, Álvaro Ferreira Guimarães. Para presidir a este órgão, é eleito Alberto Carlos Vieira Alves, que ocupa o cargo até à tomada de posse de uma nova Câmara, em Janeiro de 1914. Cf. Livro de Actas da Câmara Municipal, nº 9, fl. 61v. Em Janeiro de 1914, passa a desempenhar a presidência da Câmara João José Simões Veloso de Almeida, sogro de Júlio Celestino.
[64] CELESTINO, António - O. c., p. 33.
[65] A Corporação de Bombeiros da Póvoa de Lanhoso foi fundada em 1904. Cf. Santos, Pe. Manuel Magalhães dos - Bombeiros Voluntários da Póvoa de Lanhoso: Sua Vida – Sua Lida, Sodilivros, Trofa, 1995. Contudo, poucos anos depois, os ânimos começaram a esvair-se e a Corporação entrou em crise, até ao completo encerramento. Foi precisamente por intervenção desta comissão que, a partir de Janeiro de 1912, os Bombeiros vêm a ser refundados. Em carta dirigida ao governador civil de Braga em 16 de Fevereiro de 1929, o administrador do Concelho da Póvoa de Lanhoso informa aquele responsável distrital “que a inauguração dos serviços da Corporação de Bombeiros, desta vila, a única existente no concelho, data de 1912”. Cf. AMPL - Livro de registo de correspondência do administrador do Concelho da Póvoa de Lanhoso (1925-1929), assento nº 11 de 1929.
[66] Para um melhor conhecimento da história da corporação povonse, cf. SANTOS, Manuel Magalhães dos – O. c.
[67] BMPL - «Maria da Fonte» de 23 de Novembro de 1913.
[68] BMPL - «Maria da Fonte» de 23 de Novembro de 1913.
[69] AMPL - Livro de Actas da Câmara, nº 20-A, fls. 2-3.
[70] CELESTINO, António - O. c., p. 33.
[71] Ao longo dos anos, as actas municipais mostram bem como os membros da Câmara se auto beneficiavam, quando, chegado o fim do ano, se procedia ao pagamento de fornecimentos, dado que todos aqueles que eram comerciantes se constituíam também como grandes fornecedores do município. Outra questão a merecer estudo é a influência dos membros da Câmara na captação de obras para as suas freguesias de naturalidade ou residência.
[72] BMPL - «Maria da Fonte» de 10 de Dezembro de 1916.
[73] BMPL - «Maria da Fonte» de 6 de Maio de 1917.
[74] Armando Queiroz foi outra das figuras da Póvoa de Lanhoso da primeira metade do século XX. Natural do concelho de Braga, chegou a Póvoa de Lanhoso ainda jovem, como empregado da «Loja Central» da qual viria a ser proprietário. Foi, posteriormente, dirigente de quase todas as instituições da Póvoa de Lanhoso a partir de 1920, foi vereador da Câmara Municipal e coube-lhe representar o município nos funerais do benemérito local António Ferreira Lopes, em Lisboa, em Dezembro de 1927.
[75] ADB – Fundo Notarial, Cartório Notarial da Póvoa de Lanhoso, livro 303 (1917), fls. 11v.-13.
[76] COELHO, José Abílio - António Celestino: Breve fotobiografia, Póvoa de Lanhoso, Terras de Lanhoso, 2007, p. 3. António Simões Celestino da Silva, que utiliza o nome António Celestino, emigrou  para o Brasil em 1939, onde se destacou como intelectual e dirigente nas principais associações portuguesas nas cidades do Rio de Janeiro e Salvador da Bahia. Foi distinguido com várias condecorações, nacionais e estrangeiras. Regressado a Portugal na década de 1980, reside actualmente na Casa do Ribeiro de S. João de Rei. Ensaísta, crítico de arte, poeta, contista e memorialista, é autor de vasta bibliografia.
[77] BMPL - “Maria da Fonte» de 15 de Julho de 1917
[78] Para além de Júlio Celestino da Silva, subscreviam o telegrama Adriano Martins, Almeno Brito, Alberto Alves, Adriano Simões, Alfredo Ribeiro, José rebelo, Alfredo Carvalho, Álvaro Ferreira Guimarães, Emílio Lisboa, Pinto Bastos, Adelino Cunha, Manuel Sá, João Bastos, Luís Lopes, Abílio Areias, Luís Vale Rego, Armando Queirós, António Queiroga, José Cândido, João Antunes, António Sá, Abel Lopes, Adriano Leite e Joaquim Ferreira.
[79] BMPL - «Maria da Fonte» de 8 de Outubro de 1917.
[80] Na sequência desta telegrama, publicado nos jornais de Lisboa, foi, na semana seguinte, a Póvoa de Lanhoso visitada por uma «força da guarda republicana», que, aqui chegada, deteve grande parte da elite política local. Segundo o semanário «Maria da Fonte» chegaram a ser detidos Emílio António Lopes, António e Gonçalo Queiroga, Armando Queiroz, João A. Vieira Antunes, José Cândido Antunes, José da Paixão Bastos e João Carvalho, director do semanário. Foram ainda procurados em suas casas Alberto Carlos Vieira Alves e os médicos Adriano Martins e Adelino Pinto Bastos, mas estes últimos não foram detidos por, segundo o mesmo periódico, «andarem na sua árdua e humanitária missão de visitar os enfermos, que a epidemia reinante vai prostrando às centenas em todas as freguesias deste concelho». Dentre os detidos, todos eles figuras de enorme prestígio local (a título de exemplo, refira-se que Emílio António Lopes era o irmão mais querido do benemérito António Ferreira Lopes; e que quase todos os outros haviam sido vereadores ou presidentes da Câmara; e, ainda, que o Dr. Adriano Martins, que fora o primeiro presidente da Câmara e primeiro administrador do concelho após o 5 de Outubro, era, desde essa altura, o presidente da estrutura local do Partido Republicano Português), a guarda republicana apenas levou para Braga, «por não haver logar para mais no carro, em razão de os quererem acompanhar os srs. Dr. Augusto Mota e António Macedo Athaíde», o director do «Maria da Fonte», João A. Vieira Antunes e Armando Queiroz, que foram soltos na manhã seguinte. Cf. Jornal «Maria da Fonte» de 20 de Outubro de 1918.
[81] BMPL - «Maria da Fonte» de 13 de Outubro de 1918.
[82] BMPL - «Maria da Fonte» de 13 de Outubro de 1918.
[83] AMPL - livro de actas nº 20, fls.8-9v.
[84] BMPL - «Maria da Fonte» de 3 de Novembro de 1918.
[85] ADB – Inventário Orfanológico, Tribunal da Póvoa de Lanhoso, nº 3891, fl. 75.