José Abílio Coelho[1]
Ao António Celestino, por tudo
Júlio Celestino da Silva: bigodes à "Kaiser" |
Observo com cuidados de paleógrafo, embrenhado
em decifrar um documento antigo, uma fotografia de Júlio Celestino da Silva. Há
qualquer coisa que me empurra para a tentativa de descobrir, pela imagem que
dele ficou e me mostra um jovem nos seus vinte e tantos para trinta anos, captada
nos inícios da primeira década do século passado, quem terá sido esse homem de tamanhas
convicções republicanas, leitor de Proudhon e Marx, de Engles, Kropotkine e
Gorki[2];
negociante de grande importância local e personalidade de tão elevado prestígio
intelectual que, em pouco mais de meia dúzia de anos, tantos quantos aqueles em
que residiu na Póvoa de Lanhoso, foi quase tudo o que havia para ser:
administrador do Concelho, vice-presidente da Câmara e seu presidente em
exercício, candidato indicado pela secção local do Partido Republicano a procurador
da Junta Distrital e reorganizador e segundo-comandante da Corporação dos Bombeiros
Voluntários. Tudo isto quando, entre 1910 e 1918, a Câmara e os Bombeiros eram
as duas únicas instituições que se destacavam na terra de Lanhoso. Reparo
demoradamente no bigode trabalhado como quem modela caminho aos ramos de uma
árvore de jardim (bigode «à kaiser», como se dizia na altura), no seu cabelo
bem penteado, no trajar esmerado e fidalgo e na flor romântica que lhe enfeita
a lapela. Mas o que verdadeiramente ressalta do retrato a sépia que tenho em
mãos, o que me prende a atenção, são os seus olhos, penetrantes e doces, ao
mesmo tempo.
Pergunto-me quem terá sido, afinal, Júlio
Celestino da Silva, o homem a quem, um ano apenas depois de ter chegado, pelo
casamento, a este concelho do coração do Minho, eram entregues os mais decisivos
cargos municipais? E onde poderia ter chegado se a Natureza lhe tivesse dado a
oportunidade de ir além dos trinta e cinco anos que viveu, os últimos minado já
pela doença que havia de o matar nesse terrível ano de 1918, quando a «Pneumónica»,
que se manifestara quando a I Grande Guerra caminhava já para o fim, ceifou
cerca de 60 mil vidas em Portugal e mais de 20 milhões em todo o Planeta[3],
matando mais que a própria guerra que terminava?
A «Pneumónica», a que chamaram também «Febre
Espanhola», caíra como raio de desgraça sobre um mundo já despedaçado pela fome
e pela guerra. Naquele ano de 1918 — com o ditador Sidónio endeusado no poder,
prestigiado pela sua pose galante de «presidente-rei» mas, também, pela coragem
de visitar e se debruçar sobre as camas dos doentes infectados pela epidemia[4] — não houve aldeia em Portugal, por pequena
que fosse, que não perdesse, vitimados pela doença que a todos atemorizava,
vários dos seus filhos. Na Póvoa de Lanhoso, entre a Primavera e o Inverno de
1918, os infectados contabilizavam-se por muitas centenas. As dificuldades no
combate à doença e a miséria económica que resultava do seu tratamento eram
tantas que chegaram a organizar-se grupos para prestarem apoio monetário às
famílias atingidas pela desgraça e, apesar de se encontrar já em pleno funcionamento
o «Hospital António Lopes»[5],
houve a necessidade de transformar a casa do capelão do Senhor do Horto em
hospital provisório para infectados com broncopneumonia[6].
Também os facultativos municipais – os doutores Abílio Areias, Adriano Martins
e Pinto Bastos – se mostravam «incansáveis (…) para acudir a tantos
epidemiados» e obrigados a fazer publicar nos jornais um conjunto de «conselhos
tendentes a evitar a propagação da epidemia»[7].
Mas, apesar da prevenção e dos cuidados médicos postos em prática, prevenção e
cuidados a que a lei aliás obrigava, a doença continuou a fazer enormíssimos
estragos. E o número de vítimas era de tal modo elevado que, em alguns dias
desses meses críticos do Outono e Inverno de 1918 chegaram a realizar-se, só na
vila da Póvoa, mais de uma dezena de enterros, às vezes mais do que um da mesma
casa.
Entre tantas outras que, especialmente desde
Maio, vinham ocorrendo em todas as vinte e oito freguesias do concelho, a morte
de Júlio Celestino da Silva chegou como desgraça maior. O prestígio sócio-familiar
do então segundo-comandante dos Bombeiros era tal e a doença que o vitimara tão
assustadora para as populações que o administrador do Concelho, Francisco José
Mota Ribeiro de Oliveira, fez publicar no mesmo número do jornal «A Maria da
Fonte» que noticiava a morte desse «tão estimado e querido povoense», um edital
onde se dizia que «tendo alastrado consideravelmente neste concelho a epidemia
da gripe, havendo já alguns casos de bronco pneumónica», ficava determinado que
se tomassem de imediato várias medidas: que não se realizassem espectáculos,
divertimentos públicos, romarias, procissões, feiras, cortejos fúnebres, etc.;
que se não assistisse a actos religiosos celebrados nas igrejas ou capelas de
todo o concelho até ao fim da epidemia reinante; que se encerrassem clubes e
cafés; e que os cadáveres fossem transportados ao cemitério em caixão fechado e
sepultados nas primeiras 24 horas após o falecimento, «tolerando-se,
unicamente, a permanência nas igrejas durante as cerimónias fúnebres aos
cadáveres encerrados em caixão de chumbo». O administrador recomendava ainda
que fosse observada máxima higiene e limpeza, a remoção de estrumeiras e suínos
das proximidades das habitações, e que todos os óbitos de origem epidémica
fossem de imediato participados pelas famílias ao subdelegado de Saúde
concelhio, para este proceder à desinfecção das habitações onde ocorressem. O
aviso era para levar a sério, pois o edital publicado concluía alertando que os
transgressores seriam denunciados ao poder judicial[8].
Volto a fixar-me na fotografia de Júlio
Celestino da Silva, olho os seus olhos penetrantes e meigos, e pergunto-me:
quem terá sido esse homem que, dois anos depois de os alcançar, ainda os
primeiros ecos da República se não tinham calado, teve a imensa coragem de
largar todos os apetitosos cargos políticos que desempenhava para se dedicar de
alma e coração à reorganização da corporação de Bombeiros da Póvoa de Lanhoso, em
cuja refundação participou activamente; o homem que «ia confortar os presos da
cadeia pública, levando-lhes remédios e comida e tratando os doentes que lá
penavam o desconforto carcerário»?[9]
Alguém já escreveu que, se quisermos conhecer verdadeiramente um homem, devemos
saber aquilo que ele leu. Sabendo como se compunha a sua biblioteca e as notas
que escreveu à margem dos seus livros, não podem restar dúvidas de que
Celestino da Silva encarnou em si toda a carga ideológica que enformou os
republicanos dos inícios do século XX; da mesma forma que, conhecendo o seu
trajecto de vida, encontramos um ser humano a quem os problemas alheios diziam
tanto ou mais que as próprias dificuldades.
Deixo as considerações e o retrato que me
cativa de lado, voltarei a pegar-lhe mais tarde. Por agora, tentarei ir para
além dele, sempre com a mesma questão em mente: quem foi, afinal, Júlio
Celestino da Silva?
AS ORIGENS E
O CASAMENTO
Júlio Celestino da Silva nasceu na Rua de D.
Pedro V da freguesia de S. Victor, em Braga, pela meia hora da manhã do dia 27
de Julho de 1883. Era filho de um professor do Liceu da cidade, António
Celestino da Silva, e de sua esposa D. Júlia Virgínia Celestino da Silva; ele
natural da cidade de Chaves, ela da freguesia de S. João de Souto, de Braga. Os
seus avós paternos, residentes em Chaves, eram António José da Silva Celestino
(familiar do famoso general Celestino da Silva, que foi governador de Timor nos
finais do século XIX), e sua esposa D. Rosa Umbelina Carneiro da Silva. Da
parte materna, apenas sabemos o nome da avó, D. Leopoldina Rigos e Mello, já
que, no assento de baptismo, elaborado a 12 de Agosto desse mesmo ano, o avô materno
é dado como «incógnito»[10].
O militar Júlio Celestino |
Da sua
infância sabemos muito pouco: apenas que a família era pobre[11],
apesar das credenciais que possuía, e que cresceu num ambiente de intenso
fervilhar intelectual pois, para além de seu pai, alguns outros membros da
família se destacavam no ensino das Letras, na cidade dos Arcebispos.
De entre estes, teve especial destaque seu
tio-avô e padrinho homónimo, padre Júlio Celestino da Silva, que residia no
Campo da Senhora-a-Branca, em Braga, e foi prefeito do Seminário Menor,
professor do Liceu de Braga e, mais tarde, inspector do ensino no Distrito. Num
relatório por si elaborado enquanto inspector, após, em 1868, ter visitado
cento e uma escolas públicas e privadas do distrito de Braga, e no item que
respeita à frequência das escolas, afirmava o padre Júlio: «Além da ignorância
e pobreza dos pais e do serviço prestado pelos filhos, causas que se têm alegado
da pouca frequência das escolas, entendo que sobressaem ainda a ignorância e
muita negligência da parte de alguns professores, a negligência por parte dos
párocos e até muitas vezes a repugnância que os alunos têm à escola, fundada já
na má educação do nosso povo já no próprio estado em que as escolas se
encontram. (…) O nosso povo compreende muito pouco o que devem ser as escolas e
o ensino. Os pais e mães ameaçam com a escola os filhos seis meses, senão mais,
antes de os mandar para ela; apresentam-lha como as cores mais feias possível,
fazendo sobressair o flagelo da palmatória»[12].
Esta corajosa mas realista descrição do
estado em que, nos finais do século XIX, se encontrava o ensino em Portugal[13],
e a forma como eram denunciadas a «ignorância dos professores» e a «negligência
por parte dos párocos», aliada, naturalmente, «à ignorância e à pobreza dos
pais», mostra, parece-nos, o espírito de exigência a que o jovem Júlio
Celestino estaria obrigado. E sobre a sua infância e juventude, em concreto,
nada mais sabemos. Mas, se a ideia do jovem passava por seguir a carreira do
pai, e é bem provável que assim fosse dada a forma como tantas vezes os filhos
tomavam e seguiam o exemplo profissional dos progenitores, o ambiente vivido na
docência e descrito pelo tio-avô e padrinho no relatório aos seus superiores,
deve-o ter desmotivado. O que não o impediu de estudar. Denota-o a sua
caligrafia segura e de bom estilo, e um domínio exemplar da escrita e do
pensamento, bem expressos, uma e outros, nos apontamentos que fez à margem de
muitos dos livros que compunham a biblioteca que possuía, transferida para a
Casa do Ribeiro de São João de Rei após a sua morte e desaparecida num incêndio
ocorrido naquela propriedade, no primeiro quartel do século XX. Esses
apontamentos reflectem um elevadíssimo conhecimento de várias temáticas e
especialidades do saber como a história, a filosofia ou a moderna literatura da
época[14].
A esposa, D. Virgínia |
Cresceu em Braga, onde estudou e cumpriu
serviço militar, até que, em 1908, contando já 25 anos de idade, partiu para
Angola[15].
Ir para Angola (embora menos que emigrar para o Brasil), era um sonho que
animava muitos jovens da sua idade. Iam à procura de riqueza, seguindo as
pisadas de outros compatriotas e familiares que, na costa de África, haviam juntado
muito dinheiro. Mas iam também à cata de aventura, depois das heróicas e bem
publicitadas campanhas do último quartel do século XIX, que tanto empolgaram os
portugueses e tornaram homens como Hermenegildo Capelo, Roberto Ivens ou Serpa
Pinto heróis nacionais. Não obstante, o sonho africano parece não ter realizado
nem entusiasmado o jovem Celestino que, poucos meses depois de ali ter chegado,
solicitava já ao Governo do Distrito de Benguela passaporte para regressar a
Lisboa. O documento vem a ser-lhe concedido em cinco de Janeiro de 1909, com o
fim «de sair d’esta província» seguindo viagem para Lisboa a bordo do vapor Zaire. Através do documento ficamos a
saber que Celestino tinha um metro e sessenta e seis centímetros de altura, que
possuía um «rosto comprido, cabelos e olhos castanhos» e que tudo o resto, no
seu rosto, «era regular»[16].
A viagem deve ter sido empreendida de imediato, mesmo pelo facto de o
passaporte ter apenas a validade de um mês. No Verão desse mesmo ano de 1909,
encontra-se já Júlio Celestino na Póvoa de Lanhoso a preparar o casamento com a
jovem Virgínia das Dores Simões Veloso de Almeida.
Passaporte de Júlio Celestino da Silva |
Os caminhos que o trouxeram a esta terra, aos
26 anos de idade, também os não descortinamos. É provável que anos antes, em
Braga, tenha feito amizade com alguns dos estudantes que ali frequentaram os colégios
e o Liceu da cidade, onde, como se disse, seu pai era professor. Terá sido através
de alguma dessas ligações de amizade que conheceu a jovem Virgínia das Dores
Simões Veloso de Almeida, filha de um dos proprietários mais ricos do concelho
e que, em breve, virá a ser sua esposa? É o mais provável.
A DEDICAÇÃO
AO COMÉRCIO
Regressado da breve passagem por Angola, onde
terá amealhado algum dinheiro, Júlio Celestino encetou namoro com Virgínia das
Dores, nascida a 8 de Abril de 1889 na freguesia de S. João de Rei, concelho da
Póvoa de Lanhoso[17], onde
continuava a residir. Virgínia das Dores era a filha mais nova do casal de
proprietários da Casa do Ribeiro da mesma freguesia, João José Simões Veloso de
Almeida e D. Rita Joaquina de Almeida[18].
Com ela viria a casar-se no dia 2 de Outubro de 1909[19].
Ao casamento, cujo processo foi preparado no
«rito da Santa Madre Igreja Católica Apostólica Romana» pelo pároco António
Evaristo de Almeida e teve lugar na igreja da freguesia de naturalidade da
noiva, assistiu parte da fina flor da sociedade povoense da época, do juiz da
comarca, António Joaquim Peixoto de Magalhães, aos advogados Hernâni Pereira de
Magalhães, José Augusto Simões e Joaquim Argainha, o conservador do registo
predial Adriano Carlos Simões Veloso de Almeida (irmão da noiva), o Dr. Jacinto
Humberto da Silva, primo do noivo e os padres Manuel de Almeida Argainha,
Evaristo António de Almeida e José Carlos Valle-Rego. A cerimónia foi realizada
pelo jovem sacerdote José Carlos Simões Veloso de Almeida, irmão da noiva e professor
no Colégio de Nossa Senhora da Conceição em Guimarães[20],
tendo sido testemunhas o pai da nubente, o padre Manuel Joaquim d’Almeida e
Joaquim Evaristo de Almeida[21].
Finda a cerimónia, e depois de uma «lauto banquete» oferecido pelos pais da
noiva na sua Casa do Ribeiro, o casal retirou-se para Braga, de onde seguiu, no
caminho de ferro, «para em Lisboa, passar uma longa temporada»[22].
Regressado de Lisboa, onde permaneceu, com a
esposa, ao longo de algumas semanas, Júlio Celestino necessitava encontrar uma
actividade profissional compatível com a sua posição social e formação. E foi
no comércio que achou o seu caminho: em 20 de Julho de 1910 estava na vila da
Póvoa para tomar, por trespasse, a «Loja Central», que em 1901 ali havia sido
fundada por João Albino de Carvalho Bastos[23].
Situada no coração da terra, a meia dúzia de metros do edifício da
municipalidade que albergava ainda o tribunal judicial e a cadeia da comarca, e
«com frente para a estrada real», a sua administração era nessa data assumida
por Júlio Celestino, que havia de a gerir até 1917. Pelo trespasse e por toda a
existência de materiais, comprometia Júlio Celestino dez contos seiscentos e
cinquenta mil reis. De pronto e perante o tabelião Almeno Dídaco Leite da Costa
e Brito, que fez a escritura, entrega ao trespassante cinco contos e seiscentos
mil reis. Os restantes cinco contos e cinquenta mil reis ficavam garantidos por
uma letra «na posse do vendedor até ser paga»[24].
O casal passou, então, a residir no piso
superior da loja, uma casa avarandada que dispunha de bonitas águas furtadas e
pertencia a Emílio António Lopes.
A «Loja Central» era à época uma das melhores
casas comerciais que a pequena Vila da Póvoa possuía[25].
Comercializava ricas fazendas e tecidos dos mais caros e, para além disso
camisas, gravatas, punhos, colarinhos, chapéus, peúgas e meias para senhora e
criança, lenços, perfumes e todo o género de tecidos para o lar, miudezas e quinquilharias[26].
Júlio Celestino, seguindo um costume que vinha do anterior proprietário,
publicitava todas as semanas na imprensa povoense a sua loja, e foi mesmo o
primeiro comerciante local a utilizar o marketing
comercial já que, nos inícios da década de 1910, era frequente encontrar-se nos
jornais da terra pequenas notícias onde se anunciava a oferta de vários
produtos, de simples espelhinhos de mão a canivetes, aos clientes que na loja fizessem
as suas compras. Outra novidade trazida para a Póvoa de Lanhoso por Júlio
Celestino foi a edição de postais ilustrados, cuja primeira colecção, «com
trechos da nossa vila e arredores», foi posta à venda em Setembro de 1910[27].
Sob a alçada de Celestino, a «Loja Central»
cresceu rápida e significativamente. Pouco tempo depois de ter assumido a sua
propriedade já contava com dois empregados. Um deles era um jovem das
redondezas de Braga, Armando Queiroz de seu nome, que chegou à terra como
aprendiz de balconista, alcançou pouco tempo depois a de «primeiro caixeiro» e
viria, anos mais tarde, a suceder ao antigo patrão na propriedade da loja. O
prestígio da casa era grande, tendo as suas montras sido as escolhidas para, no
Verão de 1912, ali ser exposto o projecto do Hospital da Póvoa de Lanhoso, da
autoria do arquitecto João de Moura Coutinho d’Almeida Eça, cujas obras em
breve se iniciariam a expensas do «brasileiro» António Ferreira Lopes[28].
REPUBLICANO
E «CAMARISTA»
Quando Júlio Celestino da Silva se instalou
na vila da Póvoa de Lanhoso, no Verão de 1910, quais seriam as suas relações de
amizade? Não o sabemos ao certo. Como já dissemos, o mais provável é que, em
Braga, onde nascera e habitara, tivesse conhecido alguns povoenses que, no
Liceu da cidade, onde seu pai era professor, estudaram na última década do século
XIX e nos primeiros anos da centúria seguinte. O certo é que a partir do seu casamento
com Virgínia das Dores passou a integrar uma família com pergaminhos sócio-políticos
no concelho. E isso deve ter-lhe aberto muitas portas.
Júlio Celestino da Silva no caminho de acesso à "Barreira" |
O seu sogro, João José Simões Veloso de
Almeida, era um dos maiores proprietários agrícolas do concelho, senhor da Casa
do Ribeiro de São João de Rei e de outras vastas propriedades naquela e noutras
freguesia circunvizinhas. João José Simões Veloso de Almeida havia sido
presidente da Câmara da Póvoa entre Janeiro de 1882 e o mesmo mês de 1887, e
vereador entre 1890 e 1893[29],
sendo ainda, e por mais de uma vez, administrador do Concelho. Voltaria a
ocupar o cargo de presidente da Comissão Municipal já depois da implantação da
República, em quatro mandatos consecutivos, entre 2 de Janeiro de 1914 e 2 de
Janeiro de 1918. Os seus cunhados, os advogados João Augusto[30]
e Adriano Carlos Simões Veloso de Almeida[31],
eram profissionais de elevada craveira e de grande influência na sociedade
povoense. Adriano Carlos, que foi um importante advogado na Vila da Póvoa e
durante alguns anos conservador dos Registos Civil e Predial[32],
viria a ser também presidente da Câmara Municipal, num mandato de alguns meses,
entre 20 de Fevereiro e 12 de Agosto de 1919. Pertenceria ao Dr. Adriano Carlos
Simões Veloso de Almeida, aliás, na qualidade de presidente da Câmara recém-nomeado,
proclamar, numa sessão solene ocorrida nos Paços do Concelho a 22 de Fevereiro
de 1919, a reimplantação da República, após a efémera mas destruidora passagem
dos simpatizantes da «Monarquia do Norte» pela terra da Maria da Fonte. O
próprio Padre José Carlos Simões, também seu cunhado, era um respeitado intelectual,
professor e mais tarde director de um colégio em Guimarães.
Como se vê, ao casar-se com uma senhora da família
Simões Veloso de Almeida, Júlio Celestino estava a integrar-se no que de melhor
existia na sociedade povoense. A influência política resultante dessa ligação é
coisa que parece resultar óbvia.
No seu livro «Uma Vida em Si Menor»[33],
o escritor António Celestino, filho de Júlio Celestino da Silva, deixa-nos
contada a imagem que de seu pai lhe ficou: «Da pouca e pobre herança que nos
coube [após a morte do pai], constavam umas centenas de livros, uma mobília de
escritório, duas bengalas, sendo uma de marfim, um busto de Victor Hugo de
gesso, e uma pequena economia em títulos da Dívida Pública Italiana e que
Mussolini depois transformou em papal de embrulho (…). Aqueles livros foram
durante muitos anos a minha alegria e a minha glória. Eu os tratava com
cuidados filiais, não tivessem pertencido a quem pertenceram. Sua maioria era
constituída por obras politicamente avançadíssimas para o tempo e nelas se
documentam um fanático e intransigente amor pelos ideais republicanos, o que
não era muito frequente num país milenarmente monárquico e numa sociedade
habituada a arreigadas tradições reais». Entre os autores preferidos de Júlio
Celestino contavam-se para além de Marx e Engles, kropotkine, Gorki, Tolstoi,
Turguenev, Dostoieweski, Zola, bem como «a poesia candente e audaciosa do Junqueiro
da Velhice do Padre Eterno». Mas havia mais na velha biblioteca, desde uma
História da I Grande Guerra (1914-1918) em edição espanhola, a obras de Pinheiro
Chagas, de Nietzsch ou do «seu deus maior», o francês Victor Hugo[34].
Pelo que seu filho dele escreveu, Júlio
Celestino não era daqueles homens que lia por vício ou para matar com histórias
românticas as horas de ócio. Fazia-o em busca de saber e, para além disso,
possuía o abençoado hábito de fazer anotações à margem das suas leituras.
Através dessas «frases curtas e incisivas, escritas a lápis geralmente, sublinhando
o que desejava ressaltar» havia «comentários feitos à margem das páginas e no
final do volume numa apreciação conclusiva (…), sempre vibrantes e às vezes
enraivecidos desde que se defrontava com referências favoráveis à Igreja
Católica, que odiava do fundo da alma»[35].
Júlio Celestino era implacável com aquilo que considerava «factor do atraso
universal e motivo de degradação para com Portugal». Ainda segundo António
Celestino, nos livros e nas anotações herdadas de seu pai, estava «o
anticlericalismo sangrento (…) do ambiente da República portuguesa, recém-implantada,
estribado nas ideias libertárias que vinham da Revolução Francesa e continuavam
em Lenine»[36].
Tudo indica, pois, que quando chegou à Póvoa
de Lanhoso, em 1909, Júlio Celestino da
Silva fosse já um homem cujos ideais, virados para simpatias por uma esquerda
bem demarcada, socialista talvez[37],
estavam traçados e bem traçados. Certamente por obrigação, por todas as razões
que ainda se viviam nos anos derradeiros da Monarquia com as doutrinas de
Trento em pleno vigor, ou até pelo facto de a noiva ter um irmão que tomara
ordens, e por ele próprio ter um tio e padrinho padre, casou religiosamente.
Mas, com a implantação da República, quebrada a cadeia dessa obrigação quase
milenar de se respeitar a Igreja como instituição que se confundia com o
próprio Estado no qual o púlpito tinha por vezes mais força que um decreto
régio, Júlio Celestino da Silva, como tantos e tantos outros portugueses,
libertou-se.
Não nos adiantemos, porém: a Revolução está
ainda para chegar.
ECOS DO «5
DE OUTUBRO» NA PÓVOA DE LANHOSO
No dia 5 de Outubro de 1910, menos de um ano
e meio depois de Júlio Celestino se ter fixado na Póvoa de Lanhoso, a República
foi implantada em Lisboa, destituindo um regime monárquico há muito tempo em
declínio. O último rei português, D. Manuel II, seguiu para o exílio em Londres
e muitos dos até então simpatizantes monárquicos aderiram à nova ordem. José
Relvas, um dos homens da revolta republicana, anunciou nessa mesma manhã de 5
de Outubro, das varandas da municipalidade da capital, que a República estava
implantada, e que o êxito da Revolução e da mudança de regime seria comunicada
«a todo o país via telégrafo». Terá, contudo, escapado a Relvas que durante os
processos revolucionários nem tudo acontece como está programado e que, fruto
do corte da linha do telégrafo e da destruição de parte do troço do
caminho-de-ferro, às portas de Lisboa, a notícia demorou mais tempo que o
esperado a estender-se ao norte do país[38].
Por isso, nesse dia 5 de Outubro, e apesar
dos confrontos se terem iniciado na madrugada do dia 4, ninguém, na Póvoa de
Lanhoso, faria ideia do que estava a acontecer em Lisboa. A causa republicana
era particularmente querida apenas a alguns poucos povoenses, que podiam
contar-se pelos dedos das mãos. De entre estes, destacavam-se os jornalistas
José da Paixão Bastos e seu irmão Albino Bastos[39],
os jovens médicos Abílio Areias e Adriano Martins, bem como a um outro
funcionário público. E, obviamente, a Júlio Celestino da Silva[40].
Porém, a maioria da população concelhia, composta por cerca de 17.000
habitantes dedicados em elevadíssima percentagem à agricultura, tinha pouco interesse
nas questões políticas, mais virada que estava para a sobrevivência, em tempos
de fome.
A notícia das mudanças em Lisboa, fruto das
condicionantes já apontadas, demorou a chegar à pequena vila do coração
minhoto, na qual, só a 9 de Outubro, através das páginas do jornal “Maria da
Fonte”, conheceria pormenores do ocorrido em Lisboa quatro dias antes. A
informação deve ter, mesmo assim, chegado aos poucos, pois, na sua primeira
página, aquele hebdomadário local publicava apenas uma breve nota intitulada «A
Revolução», através da qual dava conhecimento aos leitores de que «à hora de
entrar no prelo esta primeira página do nosso jornal faltam-nos ainda
pormenores da revolta militar e popular, que deu em resultado a proclamação da
república na capital do nosso país», adiantando que: «o que de positivo por ora
se sabe é que os revolucionários estão na posse das secretarias e dos selos do
estado, tendo já constituído o seu governo provisório». O jornal deve ter
atrasado a edição das páginas interiores, pois avisava os leitores de que,
nessas, iria anunciando o que se fosse sabendo até à hora final da sua
impressão[41].
Quando saiu a público, as páginas dois e três
contavam já com significativa informação. Sob o título «A República em
Portugal», um artigo que ocupava quatro das cinco colunas de toda a página
segunda começava por dizer: «Até que enfim que se sabe positivo que as tropas e
o povo implantaram a República em Portugal». Adiantava depois que Lisboa estava
já em poder dos revoltosos, descrevendo os movimentos que levaram à vitória dos
«golpistas», o papel interventivo do povo, dos militares e da armada no sucesso
da revolta. Relatava ainda alguns episódios como o incêndio de que o edifício
dos Jesuítas na capital fora vítima e o de um outro que, dado o forte tiroteio,
se incendiara na Avenida da Liberdade. Anunciava que «El-Rei D. Manuel e toda a
família real embarcaram num Iate, não se sabendo ainda qual a via marítima que
seguiram», e que havia mortos, vinte e quatro dos quais estavam ainda por
identificar. Por fim, falava da proclamação a partir das varandas dos Paços do
Concelho de Lisboa, e adiantava já o nome dos membros do governo provisório, à
frente do qual se encontrava o Doutor Teófilo Braga.
Para a cidade dos Arcebispos, anunciava o
mesmo número do jornal, havia sido nomeado governador civil pelo governo
provisório o Dr. Manuel Monteiro.
Em suma, pode dizer-se que, lida a edição, os
povoenses ficaram a saber minimamente o que se passara em Lisboa no dia 5 de
Outubro, e como a implantação da República tinha sido bem recebida em todo o
país.
Duas breves notas destacam-se na edição. Na
primeira afirmava-se que «ontem à tarde [dia 8 de Outubro] também foi içada por
um popular na câmara municipal deste concelho [da Póvoa de Lanhoso] a bandeira
da República». A segunda, com destaque na página três, afirmava que «pelo Sr.
Dr. Manuel Monteiro, novo governador civil do distrito, e em nome do governo
provisório, acaba de ser nomeado administrador deste concelho o clínico Sr. Dr.
Abílio Areias». Esta breve, depois de tecer curto mas elevado elogio ao
indigitado administrador, informava que o «preclaro povoense foi ainda
encarregado de organizar uma comissão municipal que proclame aqui a República e
que fique a gerir os negócios municipais até que se proceda a eleições»[42].
Não dispomos de grande volume de informação
sobre o que se terá passado depois de noticiada no concelho a implantação da
República até à publicação de nova edição do referido periódico, na semana
seguinte. Mas não podemos deixar de transcrever um breve trecho, muitos anos
depois dado à estampa nas «Palavras de Abertura» de um livro de contos, por Dário
Bastos, natural e então residente na terra: «Aos sete anos fui para a Escola
(…). Poucos dias depois de lá ter entrado, tomei parte numa manifestação
patriótica em plena rua. Havia sido proclamada a República e um entusiasmo
geral, indescritível, apoderou-se de toda a gente. O professor mostrou-nos os
retratos dos principais paladinos do novo regime, e em palavras firmes e
concisas, fez-nos uma prelecção. Eu era muito criança, e não entendi bem o que
nos disse, mas no entanto fiquei a saber que as coisas tinham mudado para
melhor, que se ia fazer justiça (…). Saímos para a rua, e unidos percorremos a
vila, empunhando a bandeira verde-rubra e entoando a Portuguesa. Foi um
delírio! (…). Os gritos espontâneos, patrióticos, de vivas à Pátria e à
República surgiam por todos os lados. Fomos envolvidos por uma massa compacta
de povo e as casas ficaram sem ninguém»[43].
Dias após a festa descrita por Dário Bastos,
o «Maria da Fonte» relatava uma situação caricata: tendo o governador civil de
Braga nomeado o médico Abílio Areias para administrador do concelho, «escolha
acertada», no dizer do hebdomadário, obrigou-se o representante do governo a substituir
o escolhido no curto espaço de umas poucas horas, por se ter verificado que
essa nomeação era incompatível com as funções de facultativo municipal que o
Dr. Areias exercia. Para o substituir, foi então nomeado outro clínico, simpatizante
dos ideais republicanos: o Dr. Adriano Vieira Martins[44].
A posse do novo administrador teve lugar no
dia 10 de Outubro, no edifício dos Paços do Concelho, notando-se «pouco
entusiasmo do povo»[45].
À cerimónia «assistiram vários cavalheiros desta vila», tendo discursado, para
enaltecer as qualidades de Adriano Martins, o escritor e jornalista José da
Paixão Bastos, seu antigo colega no Liceu de Braga. Digna de registo é, também,
a presença do já então já ex-administrador, o monárquico padre Júlio Augusto
Ferreira Sampaio que, solenemente, num bem articulado discurso, afirmaria aos
presentes: «Neste momento histórico preciso frisar bem que se ontem combatia
com lealdade ao lado da monarquia, que baqueou, hoje, em face do novo regime,
diante do qual me curvo respeitosamente, se ele procurar a integridade e
bem-estar da pátria e não hostilizar a religião de que sou ministro, não ponho
dúvida em exclamar: bem-vindo seja esse regime, viva a república portuguesa!»[46]
Terminada a posse e os discursos, e enquanto
no exterior do edifício a banda dos Bombeiros Voluntários tocava «A Portuguesa»
perante o já referido pouco entusiasmo do povo, foram nomeados os restantes
membros da comissão municipal, hasteada no edifício da municipalidade a
bandeira vermelha e verde e proclamada a República[47].
Integravam a Comissão Municipal[48]
os senhores: Álvaro Ferreira Guimarães, Inácio Peixoto de Oliveira e Castro,
Emílio Geraldo Alves Vieira Lisboa, Alberto Carlos Vieira Alves, Júlio
Celestino da Silva e João Alberto de Faria Tinoco[49].
A Comissão reuniu logo após a posse, tendo deliberado, por proposta do seu presidente,
que as sessões ordinárias se «effectuassem às segundas-feiras de cada semana
pela uma hora da tarde e quando algum d’esses dias seja sanctificado ou feriado
a sessão será effectuada no dia seguinte»[50].
A segunda reunião daquele órgão teve lugar a 17
de Outubro, e, nessa primeira sessão, Júlio Celestino da Silva era já
identificado na acta da Comissão como «administrador do Concelho (…), no
impedimento do administrador effectivo, Doutor Adriano Vieira Martins», tendo
na qualidade assumido a presidência da Comissão Administrativa[51].
A escolha não ficou registada em acta, mas, segundo o semanário «Maria da Fonte»,
Júlio Celestino havia sido escolhido pelos seus pares para vice-administrador
do concelho e para vice-presidente da Câmara na sessão de 10 de Outubro[52].
Celestino assumia, assim, pouco mais de um ano depois de ter casado para o
concelho e alguns meses apenas após se ter instalado na Vila da Póvoa como
comerciante, em efectividade de funções, os dois cargos mais relevantes da
política local: o de administrador do concelho e o de presidente da comissão municipal.
O edifício dos Paços do Concelho foi dotado,
nesta ocasião, de um busto da República por si oferecido[53].
DA POLÍTICA
PARA OS BOMBEIROS
Júlio Celestino da Silva cumpriu, na Câmara,
apenas um mandato, e mesmo assim faltando à maioria das sessões. Foi empossado
no dia 10 de Outubro de 1910 e, na primeira reunião ordinária do órgão, que
teve lugar a 17 do mesmo mês, estando ausente, por impedimento, o administrador
efectivo, Adriano Vieira Martins, era já Celestino quem se encontrava investido
administrador do concelho e, nessa qualidade, presidente da Comissão Municipal.
Os bombeiros em 1912, após a reorganização |
Apesar da posse ter ocorrido poucos dias
antes, o impedimento de Adriano Martins não era momentâneo já que, nesta mesma
sessão de 17 de Outubro, e porque a Comissão não podia funcionar com apenas
seis elementos, tinha sido chamado a ocupar lugar no executivo o cidadão
Remígio de Jesus Valle Rego, «como vogal substituto, nomeado pelo Senhor
Governador Civil, o qual achando-se presente tomou a respectiva posse e fez
declarações do estilo entrando neste acto em exercício»[54].
Na primeira reunião por si conduzida, Júlio
Celestino apresentou «um mapa das dívidas activas à Câmara Municipal (foros e
contribuições directas), propondo: que com toda a urgência, sejam os devedores
compellidos a pagar os seus débitos à Câmara visto que isso, não só, representa
augmento de receita para a Commissão, mas também um princípio de moralidade»,
proposta aprovada por todos os presentes[55].
São ainda da sua autoria as propostas políticas aprovadas pela comissão
municipal, como um voto de «profundo sentimento» pelo falecimento do «abalisado
medico e psychiatra Doutor Miguel Bombarda» e outro pelo «chorado Almirante
Candido dos Reis, e ainda pelo de todas as victimas feitas pela ultima
revolução e um voto de congratulação pela proclamação e implantação da
Republica em Portugal»[56].
Mas apesar do empenho demonstrado nas
primeiras sessões, Júlio Celestino virá a afastar-se muito rapidamente da câmara.
No dia 12 de Dezembro de 1910, escassos sessenta dias depois de empossado,
deixa de comparecer às reuniões. A 19 do mesmo mês, apresenta ao órgão a que
pertencia um requerimento a solicitar que lhe sejam concedidos trinta dias de
licença, invocando, para tal ausência, muitos afazeres profissionais[57].
A autorização é-lhe concedida e os seus pares decidem-se pela eleição de um
novo vice-presidente, «para que, nas faltas, substitua o administrador e seu
substituto que tem presidido às sessões da Comissão». Foi então eleito Álvaro
Ferreira Guimarães, presidente da Câmara aquando da queda da Monarquia[58].
Adriano Martins virá a retomar o seu lugar de presidente em 23 de Março de
1911, mas Júlio Celestino mantém-se ausente das sessões, às quais voltará
apenas em quatro de Janeiro de 1912[59].
Nesta data, volta a ser discutida a questão das hierarquias, por se achar
ausente o administrador efectivo e Celestino foi eleito vice-presidente.
Na sessão de 15 de Fevereiro do mesmo ano, Júlio
Celestino apresenta à Câmara uma proposta para que esta concedesse um subsídio
de 72$000 reis à Corporação dos Bombeiros. Invoca, na introdução à proposta,
que «por iniciativa d’uma comissão de vários cidadãos desta Villa, se
projectava constituir uma associação de bombeiros voluntários» e que a mesma «já
tem elaborado um projecto de estatutos, que tenciona apresentar às estações
competentes e que tratando de angariar meios para levar a efeito tão útil como
prestimosa instituição, já tem conseguido valiosas adesões particulares,
pedindo também esta Comissão um subsídio anual que, de harmonia com as forças
do cofre municipal, a auxilie a levar a efeito, melhoramentos tão importantes
para esta Vila e Concelho, oferecendo-se à Câmara uma ocasião muito oportuna
para, mostrando os seus sentimentos altruístas e o zelo pelos interesses dos
seus munícipes, concorrer para que esta Vila seja dotada de com um serviço de
extinção d’incendios que a lei preserve como despesa obrigatória das Câmaras
Municipais (…), em vista do que propõe que a Câmara conceda à dita Comissão um
subsidio anual de setenta e dois mil reis». A proposta foi provada por
unanimidade[60].
Trata-se da última reunião da Comissão Municipal
a que Celestino se encontra presente. A 21 de Março de 1912 as suas sucessivas
ausências foram alvo de análise e discussão, sendo a comissão informada pelo
secretário e por alguns vogais que «o vice-presidente Júlio Celestino da Silva
dissera que não comparecia mais, às sessões da Comissão Municipal, e, como este
senhor não tem comparecido, a Comissão delibera nomear vice-presidente para o
substituir (…), sendo eleito por cinco votos Álvaro Ferreira Guimarães»[61].
As reuniões seguintes passam a ser
presididas, ora por Álvaro Ferreira
Guimarães, ora por Adriano Vieira Martins, o administrador efectivo que, na
sessão de 10 de Maio, alegando que o código administrativo lhe não permite
exercer os cargos de administrador do Concelho e de presidente da Câmara,
cumulativamente, tendo, para tal, sido chamado à atenção pelo Governo Civil. Questiona
então os seus pares no órgão sobre se deverá demitir-se ou pedir a exoneração
de toda a Comissão, os quais, por solidariedade para com o seu, até então, presidente,
decidem demitir-se em bloco, o que leva o Governo Civil a nomear novo
executivo, que vem a ser empossado no dia três de Julho de 1913.
Para esta nova câmara são nomeados, como membros
efectivos: Álvaro Ferreira Guimarães, Inácio Peixoto de Oliveira e Castro,
Alberto Carlos Vieira Alves, João Alberto de Faria Tinoco, Remígio de Jesus do
Valerrego, António Joaquim Rodrigues de Barros e Constantino José Lopes, sendo
substitutos: Júlio Rodrigues de Sá, Manuel José Vieira Ramos, Justino José da
Silva e Sá, Joaquim Firmino Vieira e Brito, Delfim Barbosa e Castro, João Alves
e Narciso José da Fonseca Oliveira. Na primeira sessão os efectivos elegeram
para presidente Álvaro Ferreira Guimarães e para vice-presidente Alberto Carlos
Vieira Alves[62].
Júlio Celestino encontrava-se definitivamente,
e ao que tudo indica por vontade própria, arredado da Câmara[63].O
que o terá levado a uma participação tão intermitente nos trabalhos do órgão
dirigente do município e a abandoná-lo, definitivamente, quando se encontrava
numa posição de destaque? As actas da Câmara não o referem expressamente, mas, a
esse auto-afastamento, não devem ter sido alheios dois factores: por um lado, o
«difícil feitio» do nosso biografado[64],
mau-feitio esse reconhecido até no seio da própria família; por outro, vão-se
fazendo notar aqui e ali alguns conflitos de opinião entre o republicano
convicto, simpatizante dos ideais do socialismo, que era Júlio Celestino, e o «espírito
de continuidade» que caracterizava a maioria dos restantes membros da Comissão
Municipal, dado até o facto de grande parte desses elementos virem já de
idênticos cargos desempenhados durante as últimas décadas da Monarquia.
NA
REORGANIZAÇÃO DOS BOMBEIROS
Em Fevereiro de 1912, depois de fazer aprovar
o já referido subsídio anual de 72$000
reis à Corporação de Bombeiros na última reunião da Comissão Municipal em que
participou, Júlio Celestino da Silva assume um papel activo num grupo que se
propunha pôr de novo a funcionar a Corporação[65].
Nessa comissão de refundação, onde Júlio Celestino ocupava o cargo de
tesoureiro, cabendo-lhe operar o milagre de gerir o pouco dinheiro conseguindo,
estão, ainda, João da Silva Mouta, João Henrique Vasconcelos Rocha, José
Cândido Rebelo Sampaio, João Albino de Carvalho Bastos e João António Vieira
Antunes. A auto intitulada «comissão administrativa» passa a reunir-se
frequentemente, procurando apoios monetários, encetando a redacção de uns
estatutos, captando novos membros para o Corpo Activo, procedendo a acções de
formação desses novos Soldados da Paz, leccionadas por bombeiros contratados
fora, e comprando os materiais necessários ao seu desempenho em favor da
comunidade. Pugna, ainda, pela eleição de uma direcção definitiva que substitua
a comissão administrativa. As ajudas monetárias vão chegando aos poucos. O «brasileiro»
António Ferreira Lopes — ele, uma vez mais —, contribuiu com o empréstimo do
quartel e com duzentos mil réis em dinheiro. Outro tanto era oferecido por
Francisco Antunes de Oliveira Guimarães, outro «brasileiro», este Senhor da «Villa
Beatriz», de Santo Emilião. Nas contas da Corporação entram outras ajudas, mais
pequenas, mas ainda assim significativas.
Após a instrução dos cerca de vinte e cinco
homens que se inscreveram como voluntários, chega a hora de os homens da casa
tomarem a condução da corporação. Entre os instruendos, destacam-se pelas suas
capacidades de chefia e agilidade física Júlio Celestino e Henrique Vasconcelos
Rocha. Cabe a este último, o mais velho dos dois, assumir o comando. Celestino
aceita o cargo de segundo-comandante, pronto para intervir em qualquer
impedimento do comandante. Mas havia ainda muito trabalho pela frente. Quando a
Corporação passou a funcionar em pleno, tornou-se necessário mantê-la e não
deixar que, a exemplo do que acontecera alguns anos antes, caísse de novo na
desorientação, desorganização, no descrédito e na inacção[66].
Em Novembro de 1913 tiveram lugar eleições
gerais e municiais. Embora afastado da política municipal, Júlio Celestino da
Silva é ainda uma figura estimada, sendo escolhido como candidato pela secção
do Partido Republicano da Póvoa de Lanhoso ao cargo de procurador à Junta
Distrital de Braga[67].
Na lista de candidatos aos órgãos municipais pelo mesmo partido, encabeçada por
Adriano Vieira Martins, integrava-se o seu sogro, João José Simões Veloso de
Almeida. Embora a esta eleição tivessem começado por concorrer três listas (a
do PRP, a dos «oposicionistas» e uma terceira, que integrava como concorrente o
padre Joaquim da Silva de Jesus e Sousa, apoiado por um grupo de cidadãos
eleitores[68]), a
verdade é que só a da PRP se manteve até ao acto eleitoral obtendo, assim,
todos os mandatos a concurso para a Câmara. Segundo a lei, cabia à Câmara
eleger, dentre os seus membros, a Comissão Executiva Municipal, composta por
sete vereadores, os quais, de seguida e entre eles, procediam à eleição de um
presidente. A escolha recairia em João José Simões Veloso de Almeida, que viria
a ser sucessivamente reeleito, mantendo-se no cargo por três mandatos, até 1918[69].
A DOENÇA E O
TRESPASSE DA «LOJA CENTRAL»
No plano financeiro, a «Loja Central» dava a
Júlio Celestino a estabilidade necessária para levar uma vida digna. Não
enriqueceu, mas o seu empenhamento social também aponta para que nada tenha
feito por isso. «Dizia-se que ia confortar os presos da cadeia pública,
levando-lhes remédios e comida e tratando dos doentes que lá penavam o
desconforto do carcerário»[70].
Esta sua faceta, aliada à que o levou a deixar os prestigiantes e
compensatórios cargos na política[71]
para assumir o de batalhador na corporação dos Bombeiros, mostram que Júlio
Celestino da Silva não era um comum simpatizante dos valores da «liberdade,
igualdade e fraternidade» por parecer bem, mas um homem que assumiu com garra
um caminho de doação aos outros.
A sua conduta social e familiar, sendo um anti-clerical
num território onde a Igreja continuava a pontificar, mesmo depois da vitória
dos republicanos, merecia a admiração de grande parte da população da vila.
Entre os seus amigos, contavam-se algumas das figuras mais distintas da terra e
até deputados do Partido Republicano Português, de Afonso Costa, do qual foi
sempre um leal seguidor. De tal modo era respeitado e admirado que, nos inícios
do mês de Dezembro de 1916, foi nomeado por despacho superior, «para esta
comarca [da Póvoa de Lanhoso] subdelegado do Procurador da Republica»[72].
«Grande negociante desta terra», chama-lhe na
década de 1916 o jornalista e seu amigo João Carvalho, proprietário do jornal «Maria
da Fonte». Mas não o será já por muito tempo: no ano seguinte Celestino adoece,
e a sua vida começa a desenhar-se de outra forma.
Na Primavera de 1917 manda proceder a um balanço
das existências na sua «Loja Central», com a intenção de a trespassar[73].
Poder-se-ia pensar que o estabelecimento estaria em crise, como em crise se
encontrava toda a Europa envolvida a primeira Grande Guerra, e que isso levava
Júlio Celestino a desfazer-se ele. Mas a realidade é outra. No dia 16 de Maio
desse mesmo ano trespassou, através escritura pública lavrada perante o ajudante
de notário Alberto César Leite, com todo o recheio, a «Loja Central» ao seu até
aí empregado Armando Queiroz[74].
O negócio, cujo valor se baseia num inventário feito por ambos os intervenientes
no negócio, rende-lhe «dez contos quinhentos e noventa e sete escudos e dez
centavos», sobre o qual recebeu de imediato cinco contos de réis, sendo os
restantes cinco mil quinhentos e noventa e sete escudos e dez centavos
assumidos pela emissão de duas letras comerciais «que ficam em poder do
primeiro outorgante [Júlio Celestino] até serem pagas»[75].
A escritura deixa-nos uma outra informação esclarecedora: a de que «não poderá
continuar à frente da gerência do mesmo estabelecimento, por falta de saúde».
Desligado do estabelecimento, Júlio Celestino
e a família residem ainda alguns meses no piso superior do edifício em cujo
rés-do-chão se situa a «Loja Central», que trazia arrendado a Emílio António
Lopes. Mas, após no fim do Verão de 1917, acaba por entregar a casa a Armando
Queiroz, que aí instalou a sua residência, mudando-se com a mulher e filho
recém-nascido para um dos edifícios contíguos ao Theatro Clube, o qual, à
época, estava ao serviço da corporação de Bombeiros.
O SEGUNDO
FILHO E A SOMBRA DA DESGRAÇA
Quando, no Outono de 1916, D. Virgínia das
Dores se achou grávida pela segunda vez, enchendo de alegria a residência da
família Celestino na Praça Municipal, havia já muita vida a correr pelos
cómodos da casa. Juju, filha primeira
do casal nascida em 1912, contava quatro anos de idade e era um furacão de
saúde e de alegria. Agora, para completar a sua felicidade, Júlio Celestino
desejava que esta criança que vinha a caminho fosse um rapaz.
Entretanto o Inverno chegou, trazendo com ele
as chuvas e o frio característicos do Noroeste peninsular. Como que ronronando,
os dias sucediam-se com serenidade, apesar das violentas movimentações que no
centro da Europa davam forma à primeira Grande Guerra, causadora de enormes
dificuldades também no nosso país. Portugal, que nos dois primeiros anos se
mantivera afastado do cenário de guerra, enviou em Janeiro de 1917 os seus
primeiros soldados para França. Em Fevereiro partiu o segundo contingente e, em
inícios de Abril, as tropas nacionais chegaram à frente de batalha. A barriga
da mamã Virgínia desenvolvia-se a olhos vistos enquanto de França chegavam
notícias das primeiras vítimas entre portugueses. Por esta altura, a saúde de
Júlio Celestino começou a fraquejar.
E foi sob essa psicose de guerra, quanto
Júlio Celestino começava a sentir os primeiros sintomas da doença que não mais
o largaria e em terras francesas milhares de portugueses se posicionavam para
dois anos de duríssimas penas, que o segundo filho do casal nasceu: eram treze
horas do dia 24 de Maio de 1917.
Os filhos: António e Juju |
A criança veio ao mundo na casa de residência
de família, sita à Praça do Município, no coração da Póvoa de Lanhoso, três
dias depois de Júlio Celestino ter trespassado a sua «Loja Central». Decidiram
dar-lhe o nome de António, homenagem ao avô paterno, e os apelidos de Simões
Celestino da Silva. Foi ainda o próprio pai que, no dia 1 de Junho, apesar de
doente, se deslocou ao Cartório Notarial para registar o pequeno, o qual viria
a ter por padrinhos os tios maternos D. Lídia Maria e padre José Carlos Simões Veloso
de Almeida[76].
A alegria provocada pelo nascimento do
pequeno António viria, contudo, a ser coarctada por enorme tragédia. Pouco mais
de duas semanas após o nascimento do irmão, a pequena Juju, Júlia Virgínia Simões Celestino da Silva de seu nome completo,
adoeceu de repente com Garrotilho. Garrotilho era uma expressão popular que se
utilizava em Portugal, nos inícios do século XX, para designar a laringotraqueobronquite, doença que se manifestava
através da inflamação, inchaço e acumulação de muco na laringe e cordas vocais,
traqueia e brônquios, e se declarava especialmente em crianças com até 5 anos.
Tratava-se de uma patologia que causava grande sofrimento e que, ao tempo, era
em muitos casos mortal.
Na edição do jornal “A Maria da Fonte” de 15
de Julho de 1917, deparámos com a notícia que abalou ainda mais profundamente o
já debilitado Júlio Celestino, e que deixou de rastos a sua esposa, D. Virgínia
das Dores. Escreve o hebdomadário que, «no passado domingo [dia 8 de Julho],
faleceu nesta vila, vítima de Garrotilho, a menina Júlia Virgínia, filha do Sr.
Júlio Celestino da Silva e de sua esposa D. Virgínia Simões Veloso de Almeida».
A nota acrescenta que a menina tinha cinco anos de idade, «que era o enlevo dos
pais, mas ao mesmo tempo a alegria de todos os que na pequena vila a conheciam
e apreciavam pela sua alegria e pela sua inteligência. Chamavam-lhe todos
pequena Juju, e a Póvoa de Lanhoso
ficou profundamente chocada com a sua morte inesperada».
O funeral da menina teve lugar na manhã de
segunda-feira, dia 9, saindo da capela particular de S. Gonçalo para o
cemitério municipal da Póvoa de Lanhoso. O pequeno féretro foi transportado num
carro fúnebre da Associação de Bombeiros, e, a segui-lo, via-se toda a
corporação, fardada e devidamente alinhada, com a respectiva bandeira à frente,
comandada pelo 1º Patrão, Sr. João Antunes, por se achar enfermo o 1º
Comandante João Henrique Rocha. O acompanhamento de toda a Corporação dos
bombeiros, era, dizia o jornal, uma homenagem ao seu antigo segundo-comandante
Júlio Celestino, pai da extinta menina[77].
Este demolidor episódio mexeu profundamente
com a saúde daquele pai dedicado, com a da esposa e, de resto, com a de toda a
família e amigos. Sabemos já que, um mês antes do falecimento da filha, Júlio
Celestino decidiu trespassar a sua loja por não ter saúde para continuar a
geri-la. Coloca-se-nos aqui uma pergunta para a qual não temos resposta:
estaria já doente a menina ou não terá passado de uma triste coincidência a
doença de ambos? Não o sabemos, mas é certo que, depois da morte da filha,
Júlio Celestino não mais voltou a recuperar completamente a sua saúde.
Não deixa de ser estranho, aliás, que a
notícia que a que aludimos fale de Júlio Celestino como «antigo segundo
comandante dos Bombeiros», mostrando que também na sua doação à Corporação
tinha havido reflexos. O desânimo, a saudade e o desespero podem constituir-se
como a pior das doenças.
Entretanto, a Guerra continuava. Em Abril de
1917, com o fim do ministério da «União Sagrada», Afonso Costa regressa ao
cargo de primeiro-ministro substituindo António José de Almeida. No país, as
sequelas da Guerra são cada vez mais problemáticas e em meados de Maio ocorrem
em Lisboa graves confrontos populares e assaltos a mercearias que causam a
morte de mais de vinte pessoas. A fome generalizava-se. A 5 de Dezembro de 1917,
Sidónio Pais encabeça uma revolução que o levará à chefia do Estado após a
demissão forçada do presidente Bernardino Machado. Inicia-se um ano de poder
sidonista. Com Sidónio, o apoio aos soldados portugueses em França diminuiu.
Até que, em 9 de Abril de 1918, numa planície pantanosa banhada pelo Rio Lys e
seus afluentes, as forças portuguesas são massacradas pelas Alemães. O Corpo Expedicionário
Português perdeu mais de mil e tezentos homens, contabilizando-se ainda 4.626
feridos, 1.932 desaparecidos e 7.440 prisioneiros. Portugal dobrou-se de
comoção.
No dia 5 de Outubro de 1918, na sequência dos
festejos realizados na Póvoa de Lanhoso para comemorar «a gloriosa data de 5 de
Outubro» durante a qual, com música e fogo-de-artifício à mistura foram
hasteadas bandeiras da República no edifício da Câmara Municipal, posto da GNR
e em «muitas casas particulares», ainda Júlio Celestino da Silva, já gravemente
enfermo, subscrevia, com outras figuras republicanas da terra[78],
um telegrama de saudações «aos intrépidos campeões da democracia e genuínos
representantes, na imprensa, dos velhos ideais republicanos», enviado aos
jornais «Mundo» e «República», telegrama esse que saudava como verdadeira
República aquela que foi fundada em 5 de Outubro, afirmando-se os subscritores
convencidos de que «só dela [a verdadeira República fundada em 5 de Outubro] é
que podem vir a regeneração e o engrandecimento da Pátria amada»[79].
Tratava-se de uma mensagem que pugnava pela ordem velha, em vez da «República
Nova» que Sidónio Pais, cada vez mais virado para os apoios que lhe chegavam da
extrema direita, tentava impor pela força. Júlio Celestino, «republicano de
outro tempo», simpatizante das ideias de Afonso Costa em cujo PRP era filiado,
não podia, mesmo que a morte estivesse já às portas da sua existência, e
estava, deixar de assinar este documento: ele constituía-se como que o seu testamento
político[80].
A MORTE
PREMATURA
De facto, a morte demorou apenas alguns dias
a chegar: a 10 de Outubro de 1918, contando apenas 35 anos de idade, Júlio
Celestino da Silva fechava os olhos para sempre na sua residência, no Largo
António Ferreira Lopes. O seu falecimento, causado por complicações bronco-pneumónicas
num tempo assustador em que a doença ceifava vidas em toda a Europa, causou grande
tristeza nos seus conterrâneos. Acabava de se finar um cidadão que se destacara
nos mais elevados cargos administrativos do município mas que, acima de tudo,
vivera como homem de bom coração, amigo dos menos dotados de bens de riqueza.
No dia 11 de Outubro, da parte da manhã, foi
o cadáver do extinto transportado para o cemitério público de Braga, onde seria
sepultado. Mas o seu corpo frio não seguia sozinho: noutro pequeno caixão de
cor branca, depositado ao lado do seu, seguiu, para repousar em paz no mesmo
jazigo, o corpo da sua filha Juju,
falecida pouco mais de um ano antes. As urnas — a do pai e a da menina — foram
transportadas na carreta fúnebre dos Bombeiros Voluntários da Póvoa de Lanhoso.
E era exactamente pela bandeira da Corporação de Bombeiros que a urna do
malogrado Júlio Celestino ia coberta.
Tirado por duas parelhas de cavalos, o veículo
fúnebre foi acompanhado até ao entroncamento do Horto por toda a Corporação, devidamente
fardada, e por um enorme número de amigos e admiradores que aqui contava. Alguns
conduziam ricas coroas com sentidas dedicatórias, sendo, durante o respectivo
trajecto, organizados três turnos para pegar às borlas. A chave do caixão foi
confiada ao Dr. Adriano Simões Veloso de Almeida, cunhado do extinto. Do
entroncamento do Horto seguiram os cadáveres para a cidade de Braga,
acompanhados por uma coluna de dez trens nos quais tomavam assento amigos do falecido
e elementos dos Bombeiros. «Por expressa vontade do finado, o seu enterro, que
recomendou modesto, foi feito civilmente»[81].
Na capital do distrito, junto ao cemitério, o
cortejo fúnebre era aguardado por centenas de pessoas e por deputações dos
Bombeiros Voluntários e Municipais da cidade. Na hora de ser inumado no jazigo
de família, proferiram palavras em homenagem ao morto os doutores Adriano
Martins e Pedro Veiga[82].
Ao Dr. Adriano Vieira Martins, chefe do
Partido Republicano no concelho, foi a treze desse mesmo mês, enviada pelo
deputado Domingos Pereira, eleito pelo Círculo de Braga, uma carta onde
escreveu:
«Com dolorosíssima surpresa li
nos jornais a notícia da morte do pobre Júlio Celestino.
Que horríveis tempos estes, sob
todos os aspectos! Não sabia que Júlio Celestino tivesse estado doente e por
isso calcula o meu amigo a impressão que me produziu a notícia abrupta do seu
falecimento.
Perdeu-se um dedicado e
sinceríssimo republicano e uma boa alma.
Ao meu amigo, chefe prestigioso
dos republicanos nesse concelho, quer significar o meu desgosto e
apresentar-lhe a expressão do meu sentimento, que peço estenda aos nossos
correligionários desse concelho e à família enlutada».
Com Sidónio na presidência, o país adaptou-se
muito rapidamente à «República Nova» e as mudanças não tardaram.
Na Póvoa de Lanhoso, a Comissão Municipal presidida por João José Simões Veloso
de Almeida foi destituída em finais de Dezembro de 1917, poucos dias depois do
golpe que levou o «presidente-rei» ao poder, e, entre Janeiro e Setembro do ano
seguinte foram empossados dois executivos sidonistas, presididos, o primeiro
pelo farmacêutico Manuel Inácio de Matos Vieira (posse a 02.01.1918), e o
segundo pelo proprietário agrícola Alberto Carlos Vieira (posse a 16.09.1918)[83].
A Comissão Municipal em exercício à data da morte de Júlio Celestino não
registou em acta uma palavra sobre o desaparecimento deste seu antigo membro.
Nos meses seguintes, os jornais continuaram a
noticiar centenas de mortes causadas pela «Pneumónica» em todo o país. Na terra
de Lanhoso, o foco da doença, que tivera grande impacto em Travassos, Brunhais,
Sobradelo da Goma e Oliveira nos meses de Maio e Junho e que atravessara a Vila
com estrondoso impacto mortal nos meses de Setembro e Outubro, grassava com
especial força em finais de Outubro para Novembro nas freguesias de Geraz do
Minho, Ajude e Rendufinho, nas quais os clínicos Abílio Areias, Adriano Martins
e Pinto Bastos se mostravam incansáveis no apoio aos doentes e sua famílias. Em
Novembro a epidemia crescia ainda, sendo formada uma «Comissão de Socorros aos
Pobres», presidida por António Ferreira Lopes, que deu um primeiro contributo
de 200 mil reis. As verbas que a comissão foi conseguindo juntar, eram
utilizadas em senhas para remédios, alimentação e agasalho para os pobres. Os
doentes eram tantos que, encontrando-se repleto deles o Hospital António Lopes,
chegaram alguns a ser albergados na casa do capelão do Horto, mobilizada para «hospital
de griposos»[84].
Viúva, com um pequeno filho nos braços, D.
Virgínia das Dores Simões Veloso de Almeida Celestino da Silva teria ainda pela
frente um longo processo para arrumar as contas do seu casamento. O inventário
orfanológico demorou cerca de um ano a ficar concluído. Com o apoio do irmão advogado,
o Dr. Adriano Carlos Simões Veloso de Almeida e a ajuda do pai, João José
Simões Veloso de Almeida, acabaria por pagar algumas dívidas que o casal
contraíra no último ano. Recebeu também alguns créditos que tinha em carteira.
O pai comprou, em hasta pública, os bens imóveis inventariados e sitos em São
João de Rei e Monsul, que pertenciam ao casal através da herança de Dona Virgínia
das Dores por morte de sua mãe. No final das contas, recebidos os débitos e
pagos os créditos, sobejam 10.650$91[85].
Muito pouco para quem tanto perdeu e tinha nos braços um filho de três anos
para criar.
Enquanto o processo orfanológico corria, D.
Virgínia Simões Veloso de Almeida abandonara a vila da Póvoa, recolhendo-se de
novo à secular Casa do Ribeiro onde nascera e crescera, onde residiam as raízes
dos seus avoengos e onde encontrou a familiaridade nas vozes dos parentes, nas
paredes grossas de granito e barro que guardam sempre memórias e de cujas
janelas alcançava, lá bem ao longe, a linha do horizonte da sua meninice. No
fundo, voltava a ser na velha casa que a família habitava há séculos, que
Virgínia das Dores podia contar com o apoio incondicional de todos os seus.
D. Virgínia morreu em São João de Rei a 16 de
Dezembro de 1977.
A FECHAR
Volto a pegar o retrato de Júlio Celestino da
Silva que me mostra um homem de olhos serenos e meigos, de bigode «à Kaiser»,
aparentado ter de vinte e cinco para trinta anos. Olho-o, e tento adivinhar o que
lhe estaria no pensamento enquanto se encontrava frente à câmara do fotógrafo, fixando
a lente. Recordo que a fotografia que tenho em mãos está cronologicamente mais
próxima ao seu tempo de glória que ao seu tempo de sofrimento, e pergunto-me: e
se o homem fosse capaz de adivinhar o seu futuro? Felizmente, assim não
acontece. Por isso, naquele dia em que se deixou prender na película de uma
câmara fotográfica, Júlio Celestino da Silva estava, parece-nos, longe de
adivinhar os seus tempos mais próximos, o seu fim.
Vou guardar o retrato. Já conheço a parte da sua
história que era possível estudar. Mas a minha pergunta — onde teria chegado
Júlio Celestino se a morte o não tivesse levado tão cedo? — ficará para sempre
sem resposta. É assim a vida. E a História, feita com seriedade, apenas pode
reflectir o que efectivamente aconteceu.
[1] Licenciado em História e
Doutorando em História Contemporânea pela Universidade do Minho; Bolseiro da
FCT e Investigador do CITCEM/Universidade do Minho.
Publicado in: Lanyoso, revista de cultura da Câmara Municipal da Póvoa de Lanhoso, nº 3, 2010, pp. 69-101.
Publicado in: Lanyoso, revista de cultura da Câmara Municipal da Póvoa de Lanhoso, nº 3, 2010, pp. 69-101.
[2] CELESTINO, António - Uma Vida em Si Menor, Bahia, Quarteto
Editora, 2006, p.27.
[3]
Cf. http://www.saudepublica.web.pt/TrabFrada/Pneumonica_JFrada.htm
[Consulta em 17.06.2010]
[4]
Para um melhor conhecimento do tema cf. SILVA, Armando Malheiro - Sidónio e Sidonismo, 2 vols., Coimbra, Imprensa da Universidade de Coimbra, 2006.
[5]
O Hospital António Lopes, fundado a expensas exclusivas do «brasileiro» que lhe
deu nome, foi inaugurado a cinco de Setembro de 1917.
[6]
Biblioteca Municipal da Póvoa de Lanhoso (doravante BMPL) - «Maria da Fonte» de
3 de Novembro de 1918.
[7]
BMPL - «Maria da Fonte» nº 1212, de 27 de Outubro de 1918.
[8] BMPL - “Maria da Fonte”
de 12 de Outubro de 1918.
[9] CELESTINO, António - O. c., p. 33.
[10] Arquivo Distrital de
Braga (doravante ADB) – Assentos paroquiais de Braga (paróquia de S. Victor),
livro misto nº 12, assento 121, fl. 41.
[11] Quando faleceu, em 1918,
para além de outros bens imóveis que possuía em São João de Rei e lhe
pertenciam por via do casamento com D. Virgínia Simões Veloso de Almeida, Júlio
Celestino da Silva era dono de um imóvel em Braga, sito à rua do Colégio, da
freguesia de Santiago. Esta casa deve ter-lhe sido doada, tal como um jazigo no
cemitério da mesma cidade, por seu tio e padrinho Padre Júlio Celestino da
Silva. A rua do Colégio «era entre o largo de São Paulo e a rua do Forno». Cf.
OLIVEIRA, Eduardo Pires de - Estudos
Bracarenses: 1 – As alterações toponímicas (1380-1980), Braga, ASPA, 1982,
p. 29.
[12] Citado em GONÇALVES,
Maria Neves Leal - Contributos para a
história da educação cívica em finais da Monarquia, p. 24. http://www.grupolusofona.pt/pls/portal/docs/PAGE/OPECE/APRESENTACAO/OBJECTIVES/RESEARCH%20GROUPS/SCHOOL%20MEMORIES%20IN%20THE%20LUSOPHONE%20SPACE/MEM%C3%93RIAS%20DA%20EDUCA%C3%87%C3%83O%20NO%20ESPA%C3%87O%20LUS%C3%93FONO/CONTRIBUTOS%20PARA%20A%20HIST%C3%93RIA%20DA%20EDUCA%C3%87%C3%83O%20C%C3%8DVICA%20EM%20FINAIS%20DA%20MONARQUIA.PDF
[20.07.2010]
[13] Para um melhor
conhecimento dos problemas do ensino em Portugal no período em análise, cf.
RAMOS, Rui - “‘O chamado problema do analfabetismo’: as políticas de escolarização
e a persistência do analfabetismo em Portugal (século XIX e XX)”, in Ler História, nº 35, Lisboa, ISCTE,
1998, pp. 45-70.
[14] CELESTINO, António - O. c., p. 27
[15] CELESTINO, António - O. c., p. 33.
[16] Arquivo da Casa do
Ribeiro - pasta dos passaportes.
[17] ADB – Assentos
paroquiais, paróquia de S. João de Rei, 1888, assento nº 8, fl. 42.
[18] João José Simões Veloso
de Almeida era natural de S. Mamede de
Gondariz, concelho de Terras de Bouro, filho de António Vicente Simões e de D.
Maria Rosa Velloso de Almeida. D. Rita Joaquina de Almeida, sua esposa, era
natural de S. João de Rei, oriunda da Casa do Ribeiro e filha de Francisco
Manuel de Almeida e de sua mulher Maria Joaquina Esteves Ribeiro.
[19] Cartório Notarial da
Póvoa de Lanhoso - livro de assentos de casamento da paróquia de S. João de Rei
de 1909, assento nº 3.
[20] Arquivo Municipal do
Porto (doravante AMP) - “O Povo de Lanhoso”, (II série), de 19 de Setembro de
1910
[21] Cartório Notarial da
Póvoa de Lanhoso - livro de assentos de casamento da paróquia de S. João de Rei
de 1909, assento nº 3.
[22] AMP - “O Povo de
Lanhoso», (II série), de 19 de Setembro de 1910
[23] Esta casa comercial, com
a designação de «Loja Central», foi efectivamente fundada por João Albino de
Carvalho Bastos. Mas já existia com outra designação desde os finais do século
XIX, dedicando-se ao comércio de mercearias, sendo então pertença de seu pai,
António de Carvalho Bastos.
[24] ADB - Fundos Notariais,
Póvoa de Lanhoso (Notário Almeno Dídaco Leite da Costa e Brito), livro 782, fl.
47v.-40v.
[25] As três grandes casas
comerciais que no primeiro quartel existiam na Póvoa de Lanhoso eram a «Loja
Central», destinada ao comércio de artigos de senhora e para o lar; a casa de
Álvaro Ferreira Guimarães, que comerciava artigos de vestir para homem, para
além de livros, tabacos e cafés e de ter representações de bancos e companhias
de seguros; e a «Casa Cirilo», que para além de calçados, vendia também
utensílios e produtos destinados à agricultura e detinha, também,
representações as mais variadas.
[26] Ao longo de alguns anos,
Júlio Celestino aparece referido nas actas da Câmara, como fornecedor de mantas
para os presos da cadeia, bem como de tecidos para cortinados no edifício dos
Paços do Concelho.
[27] BMPL - “Maria da Fonte”
de 18 de Setembro de 1910
[28] BMPL - “Maria da Fonte”
de 28 de Julho de 1912.
[29] Cf. SANTOS, Pe. Manuel
Magalhães dos, Monografia da Póvoa de
Lanhoso. Nossa Senhora do Amparo. Jubileus, ed. Autor, Póvoa de Lanhoso,
1990.
[30] João Augusto Simões
Veloso de Almeida, para além de advogado, foi notário na cidade de Braga. Em
1937 publicou um extenso trabalho intitulado «Comentário à Lei das Águas», o
qual, com chancela da «Coimbra Editora» e prefácio do Doutor Fernando Andrade
Pires de Lima, professor da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, se
transformou numa obra de êxito. Refira-se que as leis referentes «às questões
de águas» eram, à época, matéria a que nenhum advogado da província podia
deixar de estar atento, dada a quantidade de querelas que especialmente «as
águas do domínio privado» provocavam.
[31] Para além de ter
exercido a profissão de advogado na Póvoa de Lanhoso e em Braga, Adriano Carlos
Simões Veloso de Almeida destacou-se como professor da Escola do Magistério
Primário, em Braga.
[32] BMPL - «Maria da Fonte»
de 16 de Março de 1919. Segundo este semanário, Adriano Carlos Simões Veloso de
Almeida foi um dos funcionários públicos que «se recusaram a reconhecer a
autoridade da Junta Governativa do Porto», sendo por isso demitido das suas
funções enquanto esta se encontrou no poder.
[33] CELESTINO, António - O. c., pp. 27-33.
[34] CELESTINO, António - O. c., pp. 27-33.
[35] CELESTINO, António - O. c., pp. 27-33.
[36] CELESTINO, António - O. c., pp. 27-33.
[37] Para um melhor
entendimento dos movimentos políticos no Portugal dos finais do século XIX e
dos inícios do seguinte, especialmente do movimento socialista, cf. MÓNICA,
Maria Filomena, O Movimento Socialistas em Portugal (1875-1934), Lisboa, IN-CM,
1985.
[38] Cf. CORDEIRO, José
Manuel Lopes - Desafios à República.
Cidade Inconformada e Rebelde, colecção História do Porto, nº 13, Lisboa,
QuidNovi, 2010, p. 9.
[39] Na década de 1890, foram
estes dois homens que, nos jornais locais e não só, escreveram inflamados
textos contra a Monarquia e em defesa de um regime republicano. A eles,
juntava-se aquele que mais tarde viria a ser figura de relevo nacional, Gonçalo
António Ferreira Sampaio. Porém, a partir do início do século XX, Gonçalo
Sampaio inflectiu radicalmente na sua simpatia política, passando a
assumindo-se como um fervoroso adepto da Monarquia. Foi apoiante de João Franco
e, mais tarde, já catedrática da Faculdade de Ciências da Universidade do
Porto, participou mesmo nas ofensivas dos apoiantes de Paiva Couceiro, o que
lhe valeu a prisão por alguns dias. Sobre este assunto, cf. CABRAL, João Paulo, Gonçalo Sampaio. Vida e
Obra, Pensamento e Acção, Póvoa de Lanhoso, Câmara Municipal, 2009, pp. 8-30.
Albino Bastos viria a emigrar para o
Brasil na década de 1910, onde se formou em Direito e foi advogado com nome na
praça do Rio de Janeiro.
[40] Gonçalo Sampaio foi,
quando jovem, um dos mais acérrimos defensores da República. Porém, a partir do
início do século XX, inflectiu as suas posições, assumindo-se como um fervoroso
adepto da Monarquia. Foi apoiante de João Franco e, mais tarde, já catedrática
da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto, participou mesmo nas
ofensivas dos apoiantes de Paiva Couceiro, o que lhe valeu a prisão por alguns
dias.
[41] BMPL - “Maria da Fonte”,
de 9 de Outubro de 1910.
[42] BMPL - “Maria da Fonte”,
de 9 de Outubro de 1910.
[43] Cf. Bastos, Dário - Rua, Porto, ed. Autor, 1968, pp. 13-14.
[44] BMPL - “Maria da Fonte”
de 16 de Outubro de 1910.
[45] BMP - “Maria da Fonte”
de 16 de Outubro de 1910
[46] BMPL - “Maria da Fonte”
de 16 de Outubro de 1910
[47] BMPL - “Maria da Fonte”
de 16 de Outubro de 1910
[48] Acta de posse: “Aos dez
de Outubro primeiro anno da Republica de mil novecentos e dez sendo três horas
da tarde, na Sala das Sessões da Camara Municipal compareceu o cidadão Doutor
Adriano Vieira Martins, Administrador deste Concelho munido d’um documento
official do cidadão Doutor Manuel Monteiro, Governador Civil do Districto de
Braga pelo qual são nomeados para formar a Comissão Municipal que tem de
desempenhar as attribuições de Camara Municipal deste Concelho da Póvoa de
Lanhoso: effectivos: = Presidente Adriano Vieira Martins, Alvaro Ferreira
Guimarães, Emilio Gerardo Alves Vieira Lisboa, Ignacio Peixoto d’Oliveira e
Castro, Alberto Carlos Vieira Alves, João Alberto de Faria Tinoco e Julio
Celestino da Silva. Em visto do que o mesmo Administrador conferiu a posse
d’aquelle cargo aos referidos seis últimos cidadãos que neste acto se achavam
presentes e declararam acceitar os logares de vogaes da referida Comissão
Municipal, para desempenhar as attribuições de Camara Municipal no Concelho da
Póvoa de Lanhoso, sendo-lhes ainda por elle administrador acceite a declaração
de que exerceriam com honra e dignidade os cargos em que foram investidos. E
por verdade e para constar se passa a presente que vai ser assinada depois de
lida por mim Manuel José de Sá, secretario da Camara que a subscrevi”. Cf. AMPL
- livro de actas nº 8, fl. 55.
[49] Da câmara anterior para
a nova administração, transitaram Álvaro Ferreira Guimarães e João Alberto de
Faria Tinoco.
[50] Arquivo Municipal da
Póvoa de Lanhoso (doravante AMPL) - livro de actas nº 8, fl. 55v.
[51] AMPL - livro de actas nº
8, fl. 56.
[52] BMPL, “Maria da Fonte”
de 16 de Outubro de 1910.
[53] Cf. “Maria da Fonte” de
23 de Fevereiro de 1919. Segundo este hebdomadário, aquando da “Monarquia do
Norte”, o busto oferecido por Júlio Celestino em 1910 foi quebrado por uns
militares que aqui se instalaram durante o levantamento chefiado por Paiva Couceiro.
Após a derrota dos defensores da Monarquia, realizou-se na nossa vila, a 13 de
Fevereiro de 1919, uma festa comemorativa da vitória republicana, sendo nesse
dia descerrado um novo busto da República. Ofereceu o novo busto, tendo também
procedido ao seu descerramento um menino de três anos de idade, António
Celestino, o filho de Júlio Celestino da Silva.
[54] AMPL - livro de actas nº
8, fl. 56.
[55] AMPL - livro de actas nº
8, fl. 56.
[56] AMPL - livro de actas nº
8, fl. 56.
[57] AMPL - livro de actas nº
8, fl. 66.
[58] AMPL - livro de actas nº
8, fl. 66.
[59] AMPL - livro de actas nº
9, fl. 1v.
[60] AMPL - livro de actas nº
9, fl. 4v.
[61] AMPL - livro de actas nº
9, fl. 8.
[62] Cf. AMPL - livro de
actas nº 9, fl. 56v.
[63] Em Agosto de 1913, o Dr.
Adriano Martins deixa a administração do concelho, sendo substituído pelo
presidente da Câmara, Álvaro Ferreira Guimarães. Para presidir a este órgão, é
eleito Alberto Carlos Vieira Alves, que ocupa o cargo até à tomada de posse de
uma nova Câmara, em Janeiro de 1914. Cf. Livro de Actas da Câmara Municipal, nº
9, fl. 61v. Em Janeiro de 1914, passa a desempenhar a presidência da Câmara
João José Simões Veloso de Almeida, sogro de Júlio Celestino.
[64] CELESTINO, António - O. c., p. 33.
[65] A Corporação de
Bombeiros da Póvoa de Lanhoso foi fundada em 1904. Cf. Santos, Pe. Manuel
Magalhães dos - Bombeiros Voluntários da Póvoa de Lanhoso: Sua Vida – Sua Lida,
Sodilivros, Trofa, 1995. Contudo, poucos anos depois, os ânimos começaram a
esvair-se e a Corporação entrou em crise, até ao completo encerramento. Foi precisamente
por intervenção desta comissão que, a partir de Janeiro de 1912, os Bombeiros
vêm a ser refundados. Em carta dirigida ao governador civil de Braga em 16 de
Fevereiro de 1929, o administrador do Concelho da Póvoa de Lanhoso informa aquele
responsável distrital “que a inauguração dos serviços da Corporação de
Bombeiros, desta vila, a única existente no concelho, data de 1912”. Cf. AMPL -
Livro de registo de correspondência do administrador do Concelho da Póvoa de
Lanhoso (1925-1929), assento nº 11 de 1929.
[66] Para um melhor
conhecimento da história da corporação povonse, cf. SANTOS, Manuel Magalhães
dos – O. c.
[67] BMPL - «Maria da Fonte»
de 23 de Novembro de 1913.
[68] BMPL - «Maria da Fonte» de
23 de Novembro de 1913.
[69] AMPL - Livro de Actas da
Câmara, nº 20-A, fls. 2-3.
[70] CELESTINO, António - O. c., p. 33.
[71] Ao longo dos anos, as
actas municipais mostram bem como os membros da Câmara se auto beneficiavam,
quando, chegado o fim do ano, se procedia ao pagamento de fornecimentos, dado
que todos aqueles que eram comerciantes se constituíam também como grandes
fornecedores do município. Outra questão a merecer estudo é a influência dos
membros da Câmara na captação de obras para as suas freguesias de naturalidade
ou residência.
[72] BMPL - «Maria da Fonte»
de 10 de Dezembro de 1916.
[73] BMPL - «Maria da Fonte»
de 6 de Maio de 1917.
[74] Armando Queiroz foi
outra das figuras da Póvoa de Lanhoso da primeira metade do século XX. Natural
do concelho de Braga, chegou a Póvoa de Lanhoso ainda jovem, como empregado da
«Loja Central» da qual viria a ser proprietário. Foi, posteriormente, dirigente
de quase todas as instituições da Póvoa de Lanhoso a partir de 1920, foi
vereador da Câmara Municipal e coube-lhe representar o município nos funerais
do benemérito local António Ferreira Lopes, em Lisboa, em Dezembro de 1927.
[75] ADB – Fundo Notarial,
Cartório Notarial da Póvoa de Lanhoso, livro 303 (1917), fls. 11v.-13.
[76] COELHO, José Abílio - António Celestino: Breve fotobiografia,
Póvoa de Lanhoso, Terras de Lanhoso, 2007, p. 3. António Simões Celestino da
Silva, que utiliza o nome António Celestino, emigrou para o Brasil em 1939, onde se destacou como
intelectual e dirigente nas principais associações portuguesas nas cidades do Rio
de Janeiro e Salvador da Bahia. Foi distinguido com várias condecorações,
nacionais e estrangeiras. Regressado a Portugal na década de 1980, reside
actualmente na Casa do Ribeiro de S. João de Rei. Ensaísta, crítico de arte,
poeta, contista e memorialista, é autor de vasta bibliografia.
[77] BMPL - “Maria da Fonte»
de 15 de Julho de 1917
[78] Para além de Júlio
Celestino da Silva, subscreviam o telegrama Adriano Martins, Almeno Brito,
Alberto Alves, Adriano Simões, Alfredo Ribeiro, José rebelo, Alfredo Carvalho,
Álvaro Ferreira Guimarães, Emílio Lisboa, Pinto Bastos, Adelino Cunha, Manuel
Sá, João Bastos, Luís Lopes, Abílio Areias, Luís Vale Rego, Armando Queirós,
António Queiroga, José Cândido, João Antunes, António Sá, Abel Lopes, Adriano
Leite e Joaquim Ferreira.
[79] BMPL - «Maria da Fonte»
de 8 de Outubro de 1917.
[80] Na sequência desta
telegrama, publicado nos jornais de Lisboa, foi, na semana seguinte, a Póvoa de
Lanhoso visitada por uma «força da guarda republicana», que, aqui chegada,
deteve grande parte da elite política local. Segundo o semanário «Maria da
Fonte» chegaram a ser detidos Emílio António Lopes, António e Gonçalo Queiroga,
Armando Queiroz, João A. Vieira Antunes, José Cândido Antunes, José da Paixão
Bastos e João Carvalho, director do semanário. Foram ainda procurados em suas
casas Alberto Carlos Vieira Alves e os médicos Adriano Martins e Adelino Pinto
Bastos, mas estes últimos não foram detidos por, segundo o mesmo periódico,
«andarem na sua árdua e humanitária missão de visitar os enfermos, que a
epidemia reinante vai prostrando às centenas em todas as freguesias deste concelho».
Dentre os detidos, todos eles figuras de enorme prestígio local (a título de
exemplo, refira-se que Emílio António Lopes era o irmão mais querido do
benemérito António Ferreira Lopes; e que quase todos os outros haviam sido
vereadores ou presidentes da Câmara; e, ainda, que o Dr. Adriano Martins, que
fora o primeiro presidente da Câmara e primeiro administrador do concelho após
o 5 de Outubro, era, desde essa altura, o presidente da estrutura local do
Partido Republicano Português), a guarda republicana apenas levou para Braga,
«por não haver logar para mais no carro, em razão de os quererem acompanhar os
srs. Dr. Augusto Mota e António Macedo Athaíde», o director do «Maria da
Fonte», João A. Vieira Antunes e Armando Queiroz, que foram soltos na manhã seguinte.
Cf. Jornal «Maria da Fonte» de 20 de Outubro de 1918.
[81] BMPL - «Maria da Fonte»
de 13 de Outubro de 1918.
[82] BMPL - «Maria da Fonte»
de 13 de Outubro de 1918.
[83] AMPL - livro de actas nº
20, fls.8-9v.
[84] BMPL - «Maria da Fonte»
de 3 de Novembro de 1918.
[85] ADB – Inventário
Orfanológico, Tribunal da Póvoa de Lanhoso, nº 3891, fl. 75.
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