terça-feira, 1 de maio de 2012

Apoio privado à pobreza: a influência do “catolicismo social” no legado de Francisco Xavier da Cruz Araújo


José Abílio Coelho*


Com o triunfo do Liberalismo, a legislação portuguesa respeitante à assistência foi-se alterando progressivamente, passando o Estado a assumir, cada vez mais, o papel de primeiro responsável pelo apoio aos mais necessitados[1]. Contudo, entre o espírito das leis[2] e a realidade vivida fora das grandes cidades, existiu sempre um enorme fosso: tornava-se desigual o que era exequível em Lisboa e no Porto, ou até em alguns concelhos mais pequenos, nos quais existia uma prática assistencial que remontava a muitos séculos antes, assente, sobretudo, na prestação das Misericórdias e outras irmandades, e o que era possível garantir em municípios onde estas estruturas não existiam e o apoio à pobreza estivera, desde tempos remotos, reduzido à caridade de famílias mais ou menos abastadas e àquilo que as paróquias ou as câmaras municipais conseguiam dispensar dos seus magros orçamentos.
Póvoa de Lanhoso foi um desses concelhos do interior que teve na sua câmara municipal, ao longo do século XIX e na primeira década e meia do seguinte, a única instituição que deu apoio sistemático a pobres e doentes, embora essa ajuda tenha estado, sempre, condicionada às suas parcas possibilidades. Fê-lo, quer através do pagamento esporádico a hospitais de fora do município que tratavam os doentes dali naturais, quer pela atribuição de verbas temporárias a amas para a criação de expostos, e ainda de pequenos subsídios anuais, semestrais ou trimestrais a famílias muito pobres para a alimentação dos seus filhos, ou netos, como generosamente se encontra registado nas actas do município. A existência de um partido médico municipal, alargado a dois em 1905[3], era outro mecanismo, previsto nas leis, através do qual a câmara apoiava os doentes pobres de um concelho onde, refira-se, não existia nem Misericórdia nem qualquer outra instituição de beneficência.
A primeira instituição de carácter assistencial que ali veio a existir surgiu já bem entrado em anos o século XX, quando um “brasileiro” rico e sem filhos, chamado António Ferreira Lopes instituiu, em 1917 e a custas exclusivamente suas, um modelar hospital destinado a receber três dezenas de doentes pobres, hospital que manteve ainda a expensas próprias até 1927, ano em que faleceu[4]. Esta unidade de saúde viria a resultar, em 1928 e dando seguimento às disposições testamentárias do instituidor, na fundação da “Misericórdia e Hospital António Lopes da Póvoa de Lanhoso”.

Alçado principal do projecto para o Hospital de Brunhais
Não obstante, aquele concelho podia ter beneficiado de um pequeno hospital quase duas décadas antes. Para esse fim fez testamento em 1901 Francisco Xavier da Cruz Araújo, instituindo que, após a sua morte, a maior parte da sua fortuna fosse aplicada na construção dessa casa de saúde destinada a pobres da freguesia de Brunhais, em primeiro lugar, e do resto do concelho depois, se os meios existentes o pudessem garantir, constituindo como administradora do mesmo a Junta de Paróquia brunhalense. Mas, por incúria dos homens ou dada a inoperância das leis, ou as duas coisas juntas, o hospital não chegaria a ser construído.
É sobre este processo, que se arrastou pelos tribunais ao longo de mais de uma década e meia, que pretendemos reflectir seguidamente.


A fortuna de Francisco Xavier da Cruz Araújo

Francisco Xavier da Cruz Araújo nasceu em S. Paio de Brunhais do concelho da Póvoa de Lanhoso a 29 de Julho de 1818[5]. Era o sexto filho de Plácido José da Cruz e de sua mulher, Teresa Maria Carneiro[6], grandes lavradores da mesma freguesia.
À morte dos pais (o pai morrerá em 1857[7], e a mãe dez anos depois[8]), tocou a Francisco Xavier, por herança, o Casal da Quintão de Baixo, uma das duas propriedades por aqueles exploradas e foreira à câmara municipal da Póvoa de Lanhoso, bem como todas as terras alodiais que lhe traziam anexas. A segunda propriedade que Plácido e Teresa Maria haviam explorado, conhecida como Casal da Torre de Sequeiros e foreira à Comenda de Santiago de Guilhofrei[9], tocou a outro filho, o Dr. Domingos António da Cruz Araújo, ao que juntou, por assumir o encargo de testamenteiro, a “terça” de ambos os progenitores. Francisco Xavier e Domingos António eram, e continuaram, solteiros até ao fim da vida.
Dos restantes quatro filhos vivos do casal[10] o mais velho, Manuel José, havia partido para o Brasil, onde casara e fixara residência no Estado de Minas Gerais. Restavam um filho e duas filhas. O quarto filho homem, João António, ficará também ele solteiro, tal como a irmã mais velha, Rosa Cândida. Após a morte da mãe, manter-se-ão ambos, por disposição testamentária dos pais, a residir na casa do irmão Domingos, onde lhes fora distribuído espaço específico para habitarem, roupas de cama, caixas para guardar pertences próprios, terras para cultivarem e vasilhame para colherem o produto do seu trabalho, bem como oitocentos mil réis a cada um, extraídos à “legítima”[11]. Quanto à mais nova das duas filhas, Maria Joana, era já, à morte dos pais, casada com Domingos António Rodrigues da Costa, da vizinha freguesia de Travassos onde moravam, e do qual terá uma filha baptizada com o nome de Libânia Rosa. Mas Maria Joana — que também havia recebido oitocentos mil réis da parte que lhe correspondia na herança dos pais, e que constituíra o seu dote de casamento[12] — ficará “viúva de marido vivo”, pois seu marido será mais um dos muitos portugueses que partirá para o Brasil para não mais regressar.
O mais velho dos seis irmãos, Domingos António, apesar de habilitado como médico-cirurgião, não exerceu a profissão de forma continuada: após a morte dos pais dedicou-se à exploração da terra legada e a dirigir a grande casa que herdara. Conseguirá, numa política de economia familiar comum, manter à sua volta os quatro irmãos solteiros, incluindo Francisco Xavier. Como nenhum destes quatro irmãos tivesse filhos e não querendo as propriedades repartidas pelos cinco sobrinhos que, entretanto, filhos de Manuel José tinham nascido no Brasil, Domingos António da Cruz Araújo constituiu, já no leito de morte, a sobrinha Libânia Rosa, filha de Maria Joana, como sua herdeira universal, embora com reserva de vida aos irmãos que, residindo em Portugal, lhe sobrevivessem[13].
Refira-se que os bens legados pelos pais, tirando as partes de oitocentos mil réis para cada um, pagas a Manuel José, ausente no Brasil, e a Maria Joana, casada para Travassos, mantiveram-se por dividir até à morte de Domingos António, em 1879[14], altura em que os bens imóveis e “semoventes” foram inventariados pelo tribunal e avaliados em seis contos, oitocentos e oitenta e sete mil quinhentos e quarenta réis, dos quais um conto, cento e trinta e oito mil réis foram contabilizados em dinheiro que ficara em poder do filho mais velho[15].
Entretanto, e voltando aqui um pouco atrás, deve deixar-se dito que a partir da morte dos pais, o Dr. Domingos António, verdadeiro chefe da família até à sua morte, foi aumentando significativamente os seus bens imóveis, utilizando provavelmente parte do dinheiro que ficou em seu poder à morte de Plácido José e Teresa Maria. Assim, em 1862 comprou a José Luís Vieira e mulher Maria Joaquina Fernandes, por duzentos e cinquenta mil réis, “umma casa de morada, duas coutadas, duas sortes de amatto, sitas em Brunhaes e foreiras à câmara municipal”[16], e, em 1870, fez mesmo o seu maior investimento, ao rematar esta hasta pública, por 1:481$000, a casa brasonada que fora do Alferes da Torre de Brunhais[17] e, com ela, um vasto conjunto de campos, pomares, matas, moinhos e minas de água[18]


Cada do Alferes da Torre, da freguesia de Brunhais
Pedra de Armas do Alferes da Torre

O Dr. Domingos António morreu a 8 de Abril de 1879[19], deixando, como se disse já, todos os seus bens à sobrinha Libânia com reserva de vida a seus irmãos sobreviventes que residissem em Brunhais. A partir desta altura, Francisco Xavier da Cruz Araújo, o mais novo dos seis irmãos e aquele em quem nos importa a partir de agora fixar, assumiu a liderança familiar. Consigo, na casa da Torre de Sequeiros, viviam agora os irmãos solteiros João António e Rosa Cândida e, desde que o marido partira para o Brasil, a irmã Maria Joana e a sobrinha Libânia. João António faleceu a 14 de Novembro de 1879[20], pouco mais de meio ano depois do irmão mais velho, e Rosa Cândida a 27 de Abril de 1882[21]. Maria Joana viria a falecer em 26 de Julho de 1891[22].
Francisco Xavier tornava-se, assim, o detentor de toda a fortuna familiar[23], destinada, após a sua morte, à sobrinha Libânia, que consigo vivia e à qual o tio Domingos havia já destinado a sua parte. Mas ao contrário daquilo que seria o mais natural, também Libânia Rosa lhe não iria sobreviver, vindo a falecer, aos 47 anos de idade e solteira, provavelmente de doença fulminante ou de acidente, pois não recebeu sequer os sacramentos[24]. Francisco Xavier da Cruz Araújo ficava, assim, aos 80 anos de idade, bastante rico e sem herdeiros directos.
O fim a dar à sua fortuna deve-se ter tornado, após a morte da sobrinha, um motivo de preocupação para o abastado proprietário de Brunhais. Velho e isolado na sua casa agrícola, passou a ter como principal conselheiro o então jovem pároco da freguesia, padre Júlio José Fernandes, como veremos.

Dois testamentos, o mesmo espírito benemerente

Quando, em Abril de 1901, Francisco Xavier da Cruz Araújo chamou à Quinta da Torre de Sequeiros, em Brunhais, onde habitava, o notário público Lino António Rebelo para expressar as suas últimas vontades[25], vivia solteiro e rodeado por vários criados que o ajudavam a tratar das casas e das três quintas que possuía. Começou por ditar ao tabelião que queria que o seu enterro fosse feito sem ostentação ou luxo, mas com decência e segundo o uso e costume da sua freguesia, e que, logo após o seu falecimento, fossem aplicadas por sua alma sessenta bulas de defuntos; que no sétimo dia a seguir à sua morte houvesse missa na igreja paroquial “dando-se a cada um dos pobres cabeceiras d’esta sua freguesia, a cada um dos necessitados, a quantia de quinhentos reis”; e que fossem, ainda, celebradas mil e seiscentas missas por sua alma, e mil missas por alma de sua sobrinha Libânia; por seus pais, irmãos, madrinha e tia Dona Camila cem missas, todas rezadas no prazo de um ano[26].
Após esta primeira disposição em favor da própria alma e da dos seus familiares mais próximos, legava a um primo sete inscrições da dívida interna portuguesa, no valor nominal de um conto de réis cada uma, e ao serralheiro João António Gomes e a sua mulher, um campo nas Veigas de Ventuzela. À Junta de Paróquia de Brunhais, legava a quantia de quatrocentos mil réis, livres de contribuições e registo, com a obrigação de esta lhe mandar celebrar quatro missas anuais, sendo duas por sua alma, e outras duas pela da citada sobrinha. Distribuía, ainda, por vários dos seus criados, dinheiro, roupas de cama e um ou outro terreno, como é exemplo o de Camila Vieira, a quem deixava “cem mil reis livres de contribuição e registo, e o olival do quinhão n’este mesmo logar de Sequeiros, dois lençóis, um cobertor e uma manta”, ou o do seu caseiro Gualter e mulher, a quem legava “o direito de se conservarem na casa em que já vivem, que é sita no logar do Vallado d’esta mesma freguesia, sem a obrigação ao pagamento de renda, bem como roceio sufficiente para deitar lenhas e o mais que lhe for necessário como pobre”.
Por fim, Francisco Xavier da Cruz Araújo deixava escrito que não dispondo de herdeiros ascendentes nem descendentes, legava o remanescente da sua herança ao hospital de São Marcos da cidade de Braga, para, depois de feito o seu enterro nas condições estipuladas, cumpridos os sufrágios, bens de alma e legado, e liquidada a herança, o rendimento do que restasse fosse “um terço para o dito hospital e doys terços para serem distribuidos pelos pobres d’esta mesma freguesia, sendo applicados em primeiro logar para tratamento de doentes, vezita de medico, quando inpedido o Medico Municipal, remedios, gallinhas, e, quando faleçam, para caixão, habito e missa de corpo presente, quando não tenham quem lho faça; em segundo lugar para socorrer com esmolla os pobres para ajuda do seu sustento, sendo preferidos os doentes cegos, paraliticos e operarios impossibilitados de trabalhar, e depois os outros pobres, devendo os primeiros serem sempre contemplados com o triplo dos segundos”[27]. Para serem contemplados, os pobres deviam ser naturais da freguesia de Brunhais ou nela residente há pelo menos três anos. Estes dois terços do rendimento do remanescente da herança deviam ser entregues pelo hospital de São Marcos a uma comissão de três membros, presidida pelo pároco de Brunhais.
Francisco Xavier da Cruz Araújo recomendava ainda que, na distribuição, a procedesse a comissão encarregada da distribuição com equidade e conscienciosamente, interpretando, quanto fosse possível, a intensão e vontade “d’elle testador”, ressalvando, a concluir, deverem ser preferidos sempre os que forem religiosos, frequentarem os sacramentos e procurarem a igreja.
Antes de nomear o pároco da sua freguesia, padre Júlio José Antunes[28] seu testamenteiro (e na falta deste a António Joaquim de Matos, também seu conterrâneo), ainda ressalvava que se o hospital de São Marcos não aceitasse a herança com as condições exigidas, reverteria o mesmo terço líquido para a Misericórdia de Guimarães, com as mesmas condições e cláusulas referidas[29].
O testamento que acabámos de citar favorecia significativamente os pobres da freguesia de Brunhais. Mas, como iremos ver de seguida, esta não era ainda a última vontade de Francisco Xavier da Cruz Araújo que, a 29 de Outubro de 1901 (isto é, meio ano depois de ter ditado este primeiro documento), voltou a chamar o mesmo notário para introduzir mudanças significativas num novo testamento, no qual começou por se afirmar católico, apostólico romano, fé em que “tem vivido e espera morrer e salvar a sua alma”[30]. Na primeira parte das suas disposições, exceptuando a redução do número de missas por sua alma de mil e seiscentas para mil, e de mil para quatrocentas as missas por alma de sua sobrinha Libânia, não procedeu a mais alterações, mantendo as doações que no primeiro documento havia feito a familiares e servidores. O mesmo não aconteceu com o remanescente da herança que, agora, destinava à “fundação d’um hospital n’esta sua freguesia de Brunhais, aonde sejam recolhidos e tractados gratuitamente os doentes pobres d’esta mesma freguesia, com preferencia aos d’este concelho da Póvoa de Lanhoso que também ahi serão recolhidos se os rendimentos da mesma herança ou do mais que o mesmo hospital vier a ter chegar para tal fim”[31]. Para o instalar, destinava aquela das suas casas que mais condições possuísse para o fim, não deixando, porém, de indicar a que foi do Alferes da Torre, próxima da igreja, como a que mais própria lhe parecia para a função. Previa, ainda, que nesta casa pudessem ser feitas alterações e acrescentamentos de harmonia com os rendimentos que existissem e com todas as exigências da lei a tal respeito.
Quanto à administração do hospital, colocava-a sob a responsabilidade da Junta de Paróquia de Brunhais, “como corporação de indole beneficente e no interesse da Parochia que a mesma representa” e, para fazer cumprir as suas últimas vontades, mantém os mesmos dois conterrâneos que indicara no primeiro testamento: o pároco Júlio José Antunes, em primeiro lugar; e, na falta deste, António Joaquim de Matos.
Francisco Xavier da Cruz Araújo viria a falecer na sua Quinta da Torre de Sequeiros aos seis dias do mês de Junho de 1902[32].
Que contornos levaram este homem a fazer por esta forma as suas disposições testamentárias, pugnando pela salvação da sua alma e das dos seus familiares mais próximos, beneficiando directamente criados e caseiros, expostos e famílias necessitadas, e doando, por fim, a maior parte da sua fortuna para a construção de um hospital destinado aos pobres da sua terra? Analisando, cuidadosamente, aquilo que expressava nos testamentos, parece-nos que elas ressaltam de um quadro político-ideológico e religioso que, nos finais do século XIX e nos inícios do seguinte, teve grande impacto numa parcela significativa da sociedade portuguesa: a “questão social católica” que, especialmente a partir do Congresso Católico Internacional realizado em Lisboa em 1895, preocupou os militantes da causa, empenhados em revigorar a Igreja para a reconquista do espaço que vinha perdendo desde o dealbar do Liberalismo; militantes esses que, influenciados especialmente pela encíclica “Rerum Novarum” e pelos exemplos que lhes chegavam de países que haviam partido à frente na discussão destas questões, como a França e a Alemanha, tinham na prática da caridade uma das suas bandeiras[33]. Ao afirmar-se tão profundamente católico, especialmente no segundo testamento, e ao dispor da maior parte da sua herança para a criação de uma obra de apoio aos pobres doentes, Francisco Xavier da Cruz Araújo seguia as indicações que emergiam quer das reuniões e congressos de leigos, quer das indicações das próprias cúpulas da Igreja portuguesa, umas e outras profusamente divulgadas por um vasto conjunto de jornais criados para dar voz às novas propostas.
Como já anteriormente dissemos, para formar estar decisão, o benemérito de Brunhais deve ter sofrido influência e contado com a colaboração do então jovem pároco de Brunhais, a quem constituiu seu testamenteiro principal. Os párocos, que confessavam, aconselhavam e tinham o poder de perdoar pecados, ajudando a abrir as portas do Céu, sempre influenciaram grandemente a vontade dos seus fregueses nas doações e disposições testamentárias. Pelo cotejo dos jornais que o padre Júlio José Antunes assinava em 1900/1904, e nos quais se incluíam títulos como “A Palavra”, “O Grito do Povo”, “O Petardo”, “A Voz da Verdade” ou “O Progresso Católico”[34], todos defensores da das reformas sociais cristãs, podemos concluir da sua simpatia por esta corrente católica[35]. E parecem não restar dúvidas de que essas simpatias se encontram bem reflectidas nas disposições de última vontade de Francisco Xavier da Cruz Araújo.

Um inventário demorado

Uma semana volvida sobre a morte do benemérito, a Junta de Paróquia de Brunhais reuniu-se extraordinariamente para, sob proposta do seu presidente, votar “que se aceitasse o encargo da admenistração e cumprimento do testamento por ser no interesse da parochia, o que unanimemente foi aceite e aprovado pelos vogaes”[36]. O presidente da Junta era o padre Júlio José Antunes, que acumulava estas funções com as de pároco e, agora, com as de testamenteiro do instituidor do hospital. Nesta última condição, ficou investido como depositário de todos os bens da herança.
Estranhamente, só no dia 13 de Agosto de 1903, mais de um ano volvido sobre a morte do benfeitor, irá ter início o processo judicial de inventariação e venda dos bens[37]. Enquanto o inventário corria, num processo que se irá arrastar ao longo de mais de quinze anos, resolveu a Junta mandar compor uns Estatutos, que vêm a ser aprovados em reunião de quatro de Outubro do mesmo ano, submetendo-os, de seguida, “á approvação da competente authoridade”[38]. Os Estatutos, compostos de oito capítulos e trinta e quatro artigos seriam, após obterem parecer favorável do administrador do concelho da Póvoa de Lanhoso e da Comissão Distrital, aprovados por alvará do Governador Civil, D. Thomaz d’Almeida Manoel Vilhena, passado em Braga aos 29 de Dezembro de 1903[39].
Destaque-se o facto destes Estatutos (a exemplo, aliás, do que ocorria com outros documentos análogos), preverem a admissão, sem prejuízo dos pobres, de outros doentes que pudessem pagar o seu internamento, bem como, no capítulo referente às atribuições do director, considerar que este podia decidir sozinho a admissão dos doentes que pretendessem tratamento gratuito, apreciando os atestados comprovativos da sua pobreza passados pelo regedor, pela autoridade policial ou administrativa, não deixando de os admitir, se assim o entendesse, por conhecimento próprio sem nenhum daquelles atestados. O que lhe conferia, como é bom de ver, enormes poder e influência no meio.
De seguida, o documento aproximava o futuro hospital daquilo que eram os interesses da Igreja católica, ao prever a possibilidade, logo no artigo 3º do capítulo 1, de a Junta de Paróquia o entregar a uma irmandade, a promover, se com o andar do tempo fosse isso o mais conveniente. Esta abertura previa a possibilidade da gestão do hospital passar da Junta de Paróquia para alçada, por exemplo, de uma Misericórdia que para isso viesse a ser criada ou até para a gestão de uma das muitas Obras que na altura ganhavam especial destaque no seio dos militantes católicos, como por exemplo a Conferência de S. Vicente de Paulo, participante activa no revigoramento católico[40]. A possibilidade de a gestão do hospital mudar de mãos, depois de pronto, introduzida nos Estatutos contra a vontade expressa pelo testador, vem reforçar a ideia que atrás avançáramos de existir, por parte do padre Júlio Fernandes, uma militância activa nos grupos católicos que tentavam, por esta altura, repor a influência da sua Igreja, nas última décadas diminuída pelos obreiros do Liberalismo e dos emergentes socialismo e republicanismo[41]. Pelas mesmas razões se compreende que os Estatutos previssem ainda, no ponto referente à contratação de enfermeiros, fosse dada preferência “a Irmãs Hospitaleiras ou membros d’outro qualquer instituto religioso que se prestem [àquele] serviço”, sendo que as irmãs hospitaleiras, apontadas em primeiro lugar, formavam, como o próprio termo hospitaleiras indica, uma Congregação que se dedicava a apoiar os doentes pobres, aprovada pelo Papa Leão XIII um ano depois de ter feito publicar a “Rerum Novarum”[42].
Os Estatutos previam ainda o funcionamento dos serviços médicos, defendendo embora que, enquanto o hospital não tivesse rendimentos para clínico privativo, podia a Junta substituí-lo por um facultativo contratado, sendo este obrigado a fazer todo o serviço médico e cirúrgico dos doentes recolhidos à unidade de saúde e a dar gratuitamente consultas e tratamento aos doentes pobres externos que ali fossem para tal fim. Excluíam-se deste atendimento os doentes particulares em tratamento no hospital, os quais seriam obrigados a pagar separadamente do internamento as operações de que necessitassem e as conferencias reclamadas[43].
Enquanto os Estatutos eram elaborados e aprovados, no tribunal da Póvoa de Lanhoso a inventariação e venda dos bens prosseguia e, à primeira vista, parecia que tudo iria ficar resolvido com a necessária rapidez: o inventário estava concluído em 20 de Janeiro de 1904[44] e a praça de bens teve lugar um mês depois[45]. Os prédios urbanos e rústicos existentes em Brunhais foram todos vendidos na primeira praça. O primeiro lote foi arrematado por Manuel Joaquim Antunes, proprietário na freguesia, que licitou também como procurador de Gregório da Rosa Antunes, um brunhalense residente no Rio Grande do Sul (Brasil). Estes dois lotes, renderam onze contos, oitocentos e oitenta e sete mil e novecentos reis[46]. O terceiro lote foi adquirido por Hilário José de Matos pelo valor de três contos, vinte e oito mil e seiscentos réis[47]. A soma destas vendas ultrapassou os catorze contos e novecentos mil réis. A praça de outros prédios rústicos pertencentes à herança e se situavam no vizinho concelho de Vieira do Minho, vendidos em dois lotes a Casimiro José Cardoso e a António Joaquim Fernandes Ramalho, atingiu o valor total de duzentos e quarenta e cinco mil réis. Existiam ainda outros prédios rústicos no concelho de Vieira que, por falta de interessados na primeira praça, vêm a ser vendidos, já no Verão de 1904, por duzentos e trinta mil réis[48]. Estavam, pois, apurados mais de quinze contos. A esta soma foram subtraídos os custos do processo e os honorários de advogados e solicitadores que nele intervieram, e foram muitos, sendo o restante aplicado a juros na Caixa Geral de Depósitos e Instituições de Previdência. Em Outubro de 1904, a conta corrente à ordem do Inventário por morte de Francisco Xavier da Cruz Araújo registava um saldo de mais de dezasseis contos, sendo 13:187$69 de capital aos quais se somavam já 3:012$92 de juros[49].
Mas o processo estava ainda longe de ser dado por concluído. Em Setembro de 1905, o tribunal reconhece dívidas passivas a três pessoas da freguesia de Oliveira, no valor solidário de cento e setenta mil réis[50]. Na mesma altura, o juiz mandava oficiar ao testamenteiro que não se encontravam inventariados os bens doados a Camila Vieira. Este informou o tribunal de que por serem de pequena importância, estes bens haviam já sido entregues à herdeira, mas o tribunal obriga a que sejam introduzidos no inventário. O processo foi reaberto para regularização de ambas as situações e as contas só voltarão a ser fechadas em 31 de Agosto de 1908, cinco anos após a abertura do Inquérito: nesta altura, e depois de pagas as custas ao tribunal e novos honorários a advogados e solicitadores intervenientes, o saldo desce quase três contos de réis[51]. A herança de Brunhais enchia muitos bolsos e o atraso na construção do hospital começava a causar mal estar.
A 13 de Junho de 1908 a questão vem a público através da páginas do jornal local “O Castelo de Lanhoso”, num artigo em que o solicitador e jornalista José da Paixão Bastos questiona as razões para tão grande demora na execução da vontade de Francisco Xavier da Cruz Araújo: “Não quero lançar suspeitas sobre a honestidade do testamenteiro, que é merecedora de toda a confiança, mas tão sómente obrigal-o a cumprir um dever imposto pela lei, para beneficiar os infelizes que na casa hospitaleira terão os cuidados do conforto, que a miséria e a pobresa em suas casas não lhes proporciona”[52]. Adianta que o atraso se deve a politiquices, “que em tudo se mete, cheirando-lhe a dinheiro”, e deixa uma indicação importante: “Querem arranjar os senhores políticos concessão para que o hospital seja edificado na villa da Póvoa? Pois arranjem, mas resolvam por uma vez iniciar a obra, pois paralizada não pode ficar por omnia saecula seculorum. Um mês depois, e porque entretanto a administração do concelho mudou de mãos, o mesmo Paixão Bastos volta ao assunto. Chama a atenção do novo administrador para o facto de terem decorrido seis anos desde que Cruz Araújo deixou os bens para a construção de um hospital, sem que, nesse entre tempo, a obra tenha avançado. E volta a invocar que se cumpra a lei para que as disposições do testamento sejam executadas, adiantando que, “o sr. Simões [o anterior administrador concelhio], intimara o testamenteiro à prestação de contas, como era da sua competencia em virtude dos artigos 1902 e 1905, parágrafo único do código civil, sendo certo, porém, que taes contas ainda não foram prestadas, devido à incúria, desleixo e evasivas do testamenteiro”[53].
Sob esta pressão, num tempo em que as denúncias nos jornais ainda tinham algum impacto público, a Junta de Paróquia de Brunhais escreve, em Setembro de 1908, uma carta ao Governador Civil de Braga, onde afirma que “sendo de toda a conveniencia e até necessario que o hospital seja desde já installado na Casa denominada do Alferes da Torre e para esse fim destinada pelo fundador (…), visto que ella serve mesmo sem alterações, que conforme os meios poderão ser feitas; pretendem por isso que V. Ex.ª auctorize a junta a installar desde já o mesmo hospital obrigando-se a não descurar o ascrescentamento da mesma casa e hospital d’harmonia com a vontade do fundador e dos estatutos (…), pedem a V. Ex.ª se digne conceder a autorisação pedida”[54].
Não conseguimos apurar se a Junta de Paróquia obteve resposta a este pedido. Sabemos, no entanto, que a 21 de Agosto de 1909, quando se cumpriam já mais de sete anos sobre a morte de Cruz Araújo, se volta a escrever no já citado semanário: “Já sabemos que as nossas palavras de justiça se perderam na vastidão do deserto, que a auctoridade administrativa se metteu na concha do indeferenttismo, e que o rev. Padre Júlio esfregou as mãos de contente por ficar eternamente no goso do legado sem a ninguém prestar contas”[55].
Tinha razão Paixão Bastos. O dinheiro do legado, suficiente para executar a obra, como veremos, estava agora depositado na Caixa Geral ao dispor da Junta de Paróquia. Só que, neste entretanto, Portugal tinha vivido o regicídio, e na sequência deste, mergulhara no instável reinado de D. Manuel II[56]. O padre Júlio, todo-poderoso pároco, presidente da Junta de Paróquia de Brunhais e testamenteiro de Francisco Xavier da Cruz Araújo aproveitou a instabilidade para aquietar o dinheiro à sombra da sua autoridade. Pelo livro de actas, sabemos que entre Setembro de 1908 e Outubro de 1910, a Junta de Paróquia de Brunhais não reuniu uma única vez. Razão pela qual o assunto da fundação do hospital só voltará a ser falado após a implantação da República.


O projecto do hospital

Com o advento da República, pareceu que tudo iria mudar e que Brunhais teria, finalmente, o seu hospital. No dia 22 de Outubro de 1911, a nova Junta de Paróquia republicana, da qual o padre Júlio José Antunes já não fazia parte, reuniu extraordinariamente para escolher o terreno a destinar à unidade de saúde. Após uma visita ao local, os seus membros ratificariam o parecer positivo do delegado de saúde do distrito para que o mesmo fosse implantado na Casa do Alferes da Torre[57]. O projecto, da autoria do “condutor d’ obras públicas” Alfredo Castello Branco, estava concluído, sinal de que há meses se trabalhava na sua execução. Constituíam-no uma memória inicial datada de Agosto de 1911 e assinada pelo vice-presidente da Junta, Hilário José de Matos, no qual se atestava a boa condição do terreno destinado à implantado da obra, nela se afirmando que não havia humidades “nem nunca [a casa] serviu de cavalhariça, curral, vacaria, nem foi fabrica de produtos corrosivos ou prejudicies á saude publica” nem “fontes, depósitos ou esgotos d’água potável ou medicinal não sendo atravessado por canos de qualquer natureza e [que] o cemitério fica muito distante dahi”[58].
À memória seguia-se um pormenorizado orçamento, pelo qual sabemos que a obra iria importar em cinco contos e cinquenta mil réis, considerando nos valores apresentados arredondamentos imprevistos, no valor de 360 réis, e 2% de custos do projecto e cópias. Por fim, acompanhavam a memória e o orçamento uma planta do edifício, composto por um corpo principal ao centro, com rés-do-chão e primeiro andar, e por dois pavilhões laterais simétricos, de um único piso, ligados ao edifício central por dois corredores envidraçados. O piso térreo do edifício central estava destinado a cozinha, despensa, consultório médico e casa mortuária, ao passo que o andar superior dispunha de três quartos individuais e de uma enfermaria reservada, espaços estes destinados aos doentes privados que o hospital pudesse vir a receber, bem como de uma sala destinado a secretaria. Quanto aos dois pavilhões laterais, funcionaria, em cada um deles, uma enfermaria com sete camas, rouparia, sala de banho, um cómodo de arrumações e uma instalação destinada ao enfermeiro.
O processo foi remetido ao administrador do concelho que, no início de Dezembro, o enviava ao governo civil, para aprovação[59]. Acompanhava-o uma segunda memória, esta subscrita pelo seu autor, onde se afirmava que “o projecto obdece a todos os requisitos hygienicos e a sua Imposição é perfeitamente moderna”[60].
Mas também esta segunda tentativa de dar cumprimento ao legado de Brunhais não surtiria efeito. Feito o primeiro esforço nos meses subsequentes à “revolução”, o silêncio sobre o assunto voltou a fazer-se sentir e o tempo passou sem que a obra tivesse início. E nem de outra forma podia ter acontecido, já que os fundos à obra destinados continuavam às ordens do padre Júlio, que só viria a entregá-los à Junta de Paróquia em Dezembro de 1914[61]. Amainados os fortes ventos que a implantação da República, da qual o sacerdote era um confesso opositor, fizera soprar na freguesia, tentava agora reaproximar-se do poder e encontrar o trilho do qual tivera de sair. E, com o passar do tempo, iria consegui-lo.
A Junta voltou a reunir extraordinariamente a 10 de Junho 1915, decidindo então “transformar o capital e juros da herança em Inscripções d’assentamento da Divida Interna do Governo Portuguez, cuja operação se deverá efectuar por intermedio da mesma Caixa Geral”[62] onde o dinheiro se encontrava depositado. Em Novembro, somando aos dezasseis contos, duzentos e dez mil e sessenta e dois réis que existiam em 1904 os juros entretanto vencidos, a Junta tornou-se proprietária de títulos no valor nominal de quarenta contos e setecentos[63].
O tribunal é ainda, e pela última vez, chamado a pronunciar-se para ratificar esta decisão da Junta de converter o capital em Inscrições de Assentamento, o que aconteceu, com parecer favorável do juiz, no dia 20 de Julho de 1916. Dava-se, assim, quinze anos passados sobre a morte de Francisco Xavier da Cruz Araújo, por encerrado o Inventário Orfanológico[64].
Mas o Portugal de 1916 não era mais o mesmo de 1901. Com a queda da Monarquia e a implantação da República quase tudo havia mudado. A inflação crescera a nível assustador, situação que a deflagração da I Grande Guerra, em 1914, veio piorar.
 A cinco de Setembro de 1917, ignorando, ou pelo menos parecendo ignorar, o processo do legado de Brunhais, António Ferreira Lopes inaugurava solenemente na Vila da Póvoa um hospital de média dimensão no qual investiu cento e cinquenta contos de réis. Destinado a doentes pobres do concelho, este hospital recusou-se, desde a primeira hora, a internar ou a tratar doentes oriundos da freguesia de Brunhais[65]. O drama viria a acentuar-se no ano seguinte quando o nosso país, já depauperado pelos efeitos nefandos da I Grande Guerra, foi varrido pela “Pneumónica” que fez centenas de mortos no concelho e mais de 60 em Portugal[66]. Brunhais foi uma das freguesias mais fustigadas pela epidemia, mas o tratamento a doentes dali oriundos foi barrada não apenas pelo hospital da Póvoa de Lanhoso, como também pelo S. Marcos, de Braga.


Pobres sem hospital, mas com apoios na compra de medicamentos

Com a desvalorização da moeda, a Junta de Paróquia sentia-se cada vez mais impotente para cumprir a última vontade de Francisco Xavier da Cruz Araújo. Em Janeiro de 1919 deixou registado em acta que, sendo o dinheiro do legado insuficiente para a construção do hospital e cansada de ver os pobres brunhalenses sofrer a recusa de serem tratados noutros hospitais, decidiu utilizar parte do fundo para, com ele, ajudar os pobres da freguesia[67]. Passa a atribuir-lhes apoio monetário e a pagar-lhes remédios[68].
Na sessão de 13 de Abril de 1921, o assunto voltou à ordem do dia, com o presidente da Junta a declarar em acta que “não sendo a importância do legado quantia bastante para a construção d’um hospital, nenhuma junta até hoje pôde dar execução á vontade d’esse benemérito e muito menos o poderá fazer a actual, pois essa importância, attendendo aos elevadíssimos preços dos materiaes e mão de obra, desapereceria em antes de concluida a construção do edificio”. E mesmo que a construção fosse possível, acrescenta, “o hospital não poderia funcionar por falta de verba para a despeza do material cirurgico, mobiliario, vencimento de pessoal e alimentação dos doentes” . Por isso, e porque os hospitais da Póvoa de Lanhoso e de Braga se recusavam a receber gratuitamente os doentes pobres da freguesia de Brunhais, “alegando a Direcção d’essas casas de caridade que esta freguesia tem um legado para a construção d’um hospital e que n’ele devem ser tratados os seus doentes pobres”, foi criada a esta [Junta] a incómoda situação de ver os seus doentes “morrerem ao abandono sem assistencia alguma”. Confessando que se não podia manter mais tempo indiferente a esta situação, propunha o presidente à Junta que, “considerando que o testador Francisco Xavier da Cruz Araujo teve unicamente em vista proporcionar aos seus conterraneos algum alivio e o tratamento preciso, quando doentes, e não crear-lhes com esse legado uma situação ainda mais crítica do que a que anteriormente tinham”, e visto ainda que a lei o não proibia, propunha que aos juros da herança fossem retirados anualmente 700 escudos para com eles subsidiar os pobres da freguesia[69]. Em pé ficava a hipótese improvável de no futuro, e dado que o Código Civil não permitia que da importância do legado fosse retirado dinheiro que não destinado ao fim a que pelo testamento fora destinado, o hospital pudesse a ser construído se para tal viesse a contar “com auxílio de outrem”[70].
Chamados, todos, por edital a pronunciarem-se, nem um habitante de Brunhais compareceu à sessão seguinte para contrariar ou apoiar a proposta, pelo que a Junta, entendendo o silêncio como um apoio, decidiu aprová-la[71]. Posteriormente, em Maio de 1921, a Junta volta a referir-se a esta situação, deixando registado que “está tudo finalmente legalizado” e afirmando ainda [o presidente, Firmino José Fernandes], que com satisfação vê melhorada a situação dos pobres desta freguesia e legalizada a situação d’esta junta e tudo isto de harmonia com o desejo e fins do grande benemerito Francisco Xavier da Cruz Araujo a quem os habitantes d’esta freguesia jamais poderão esquecer”[72].
A partir dessa data e até 1969, pelo menos, a Junta de Freguesia continuou a pagar, anualmente, remédios a vários pobres da freguesia[73].
Em 1932 os títulos em poder da Junta de Freguesia ascendiam a 44.700$00[74].
Do legado de Francisco Xavier da Cruz Araújo, que ainda existe, possui hoje a autarquia de Brunhais a casa que foi do Alferes da Torre, em muito mau estado de conservação, e uma conta na Caixa Geral de Depósitos, onde se encontram depositados cinquenta euros, pelos quais recebe, trimestralmente, de juros, menos de um euro e meio.

Conclusão

Digamos, em jeito de conclusão, e como já anteriormente aventámos, que a disposição testamentária de Francisco Xavier da Cruz Araújo deve ter sofrido enormíssima influência do padre Júlio José Antunes. Que este seria um dos seus amigos próximos não devem restar dúvidas, não só por ser o pároco da freguesia, mas, também, pela circunstância de ter sido constituído seu principal testamenteiro.
Pela sua formação religiosa e pela leitura sistemática dos jornais já atrás indicados, todos eles afectos aos ideias defendidos pelos Círculos Católicos Operários, o jovem pároco de Brunhais estaria fortemente inclinado para a “questão social”. Influenciar, pois, a construção de um hospital destinado aos pobres de Brunhais, que a Igreja pudesse posteriormente controlar, como parece resultar que aconteceria pela cláusula inserida nos Estatutos e que previa a sua futura entrega a uma irmandade, não andaria longe de se constituir, para o sacerdote, como uma coroa de glória na sua luta pelo “revigorar do catolicismo” e pelo combate quer ao socialismo emergente quer “ao capitalismo liberal e suas desastrosas consequências para o mundo rural”[75].
Porém, se os movimentos católicos chegaram a ter significativa força entre 1895 e 1908, com o impulso do anarco-sindicalismo, a partir desta última data, com o regicídio, no mesmo ano e, depois, com a vitoriosa revolução republicana, essa força esmoreceu, pelo menos durante alguns anos. Ora, como vimos, 1908 é precisamente a data em que, através de um ofício dirigido ao governador civil de Braga, a Junta de Paróquia de Brunhais presidida pelo padre Júlio, faz a última (quiçá a única) tentativa de avançar com a instalação do hospital, mesmo sem as necessárias obras no edifício a ele destinado.
A partir dessa data, o silêncio caiu sobre o assunto. Entre Janeiro de 1908 e Julho de 1910, a Junta de Paróquia não fez uma única reunião[76]. E quando, entre Julho e Outubro se reúne quatro vezes, fá-lo a instâncias do administrador do concelho e do subdelegado de saúde, que exigem seja resolvida com toda a urgência a construção do cemitério da freguesia a qual, nessa altura, ainda sepultava os seus mortos no interior da igreja[77].
Com a implantação da República em 1910 o padre Júlio foi afastado da Junta de Paróquia. Porém, como testamenteiro de Francisco Xavier da Cruz Araújo, o dinheiro da herança ficou sob sua guarda. É nessa qualidade que faz abortar a tentativa da nova “comissão republicana” para dar seguimento ao processo, para o qual esta chegou a mandar fazer o projecto e o orçamento.
Só em Dezembro de 1914, o padre Júlio viria a entregar à Junta de Paróquia “o saldo líquido [da herança] e moveis inventariados em seu poder”[78]. Mas entre 1902, data da morte de Cruz Araújo e 1914, a enorme inflação (à qual nesta data se juntavam os efeitos nefandos da I Grande Guerra), tornava insuficiente aquilo que antes teria chegado perfeitamente para a construção do hospital, para o seu completo equipamento e para fazer face às despesas iniciais com o funcionamento. Para piorar a situação, o legado, que na década de 1900-1910 se constituíra como uma esperança para os doentes pobres de Brunhais, transformou-se, nas duas seguintes, num enorme pesadelo, já que o arrastamento da aplicação dos fundos a ele destinados levou a que os necessitados daquela freguesia vissem os seus internamentos e atendimento em ambulatório barrados noutros hospitais da região[79].


Anexos:
(anexo 1)

Estatutos do Hospital de Brunhais, fundado pelo benemérito cidadão da mesma freguesia do concelho da Povoa de Lanhoso, Francisco Xavier da Cruz Araujo[80]

Capitulo I
- Do Hospital e sua administração -

Antigo 1º - O hospital de Brunhais é destinado, segundo a vontade do seu fundador, Francisco Xavier da Cruz Araújo, a recolher e tratar gratuitamente os doentes pobres da mesma freguesia e também os do concelho, que o poderem ser pelos rendimentos da caza, preferindo aquelles a estes.
Artigo 2º - Serão também admittidos no hospital sem prejuízo dos pobres, doentes particulares, dos quais haverá duas classes, sendo os de 1ª classe tractados em quartos especiaes para isso destinados, e pagarão 1$000 reis diarios afora os medicamentos; e os da 2ª classe nas enfermarias ou quartos com mais d’uma cama, pagando 500 reis diarios afora os medicamentos.
Artigo 3º - O hospital será intitulado, segundo a vontade do fundador, na caza que foi do Alferes da Torre, proscima da igreja matriz da freguezia, fazendo-se-lhe as alterações e acrescentamentos convenentes [sic] de harminia com os rendimentos e escigencias da lei.
Artigo 4º - A admministração do hospital de Brunhaes pertence, segundo a vontade do seu fundador, á junta de perochia da mesma freguezia, sendo o presidente da junta o director do hospital.
§ único – Se pelo andar do tempo se reconhecer que mais convem entregar a administração do hospital a uma Irmandade, promoverá a junta a sai creação, podendo até ser compellida a isso pela autoridade tuterays [sic], verificada que seja a urgencia da mudança de admmistração, no que não é contrariado a vontade do fundador, que só teve em vista a prospendade [sic] do hospital e a observancia da lei.

Capitulo II
- Attribuições da junta admmiistradora -
Artigo 5º - A junta para a admministração do hospital, que é independente da da parichia terá uma sessão ordinária por mez no dia e hora que designar na sua primeira sessão de cada anno, e as esctraordinarias que forem necessarias, podendo ser uma e outras no domingo.
§ único – Estas sessões serão convocadas e celebradas com as formalidades escigidas no código admministractivo, para as sessões parochiaes em tudo que lhes possam ser applicadas.
Artigo 6º - É da competência da junta admministradora:
1º - Nomear um secretário e um thesoureiro que poderá escolher-se d’entre os seus vogaes ou de fora d’elles, sendo no primeiro caso gratuitas as suas funcções, e no segundo retribuídas, tomando por base dessa retribuição o que a lei admministrativa auctorizar para o secertário e thesoureiro da junta de parochia.
2º - Determinar o numero e qualidade dos empregados e serventes do Hospital, estabelecer-lhes ordenados, nomeá-los e demitti-los, ouvindo-os previameente.
3º - Auctorizar todas as despezas ordinárias e esctraordinarias a bem do serviço do hospital.
4º- Deliberar sobre a acceitação de heranças, legados ou doações feitas ao hospital.
5º - Vigiar pela boa admministração do hospital e promover o augmento dos fundos e rendimentos dos bens do mesmo.
6º - Deliberar sobre pleitos a intentar ou defender e sobre a desistência, confissão e transacções a respeito dos mesmos.
7º - Deliberar sobre a acquisição de bens e construcção de obras para os serviços do hospital e alienação dos que forem despensaveis d’esses serviços; e sobre collocação de dinheiros a juros por escriptura publica com fiador e compra de inscripções de assentamento conforme a disposição di fundador.

Capítulo III
- Attribuições do secretário -

Artigo 7º - Incumbe ao secretario:
1º - Redigir e lavrar as actas das sessões no livro respectivo; e certificar a authenticar todos os documentos dimanados da junta admministradora.
2º - Conservar sob sua guarda e responsabilidade e na caza das sessões todos os livros e documentos que constituem o archivo do hospital.
3º Fazer a correspondencia sob a direcção do presidente e desempenhar os trabalhos de escripturação e contabilidade inherentes a admministração do hospital.
Artigo 8º - É tambem o secretário obrigado a escripturar o conservar sob sua guarda um livro de inventario de todos os papeis e haveres do hospital.

Capitulo IV
- Attribuições do thesoureiro -

Artigo 9º - O thesoureiro é obrigado:
1º - A arrecadar toda a receita do hospital e a guardar sob sua responsabilidade os capitães e quaesquer títulos ou papeis de credito  pertencentes ao hospital.
2º - A satisfazer todas as ordens de pagamento que forem assingnadas pelo director.
3º - A escripturar todas as guias de receita e ordens de pagamento.
4º - A apresentar á junta admministradora um balancete ou nota da receita e despeza effectuada mensalmente e a mostrar o cofre, sempre que a junta o escija.

Capitulo V
- Attribuições especiaes do director -

Artigo 10º - Pertence ao director do hospital, que é o presidente da junta de parochia ou quem suas vezes fizer, a superior inspecção dos serviços admministractivos, economicos e thecnicos do mesmo hospital.
Artigo 11º - Mais pertence ao director tomar conhecimento e despachar todos os negocios que não careçam de deliberação da junta, vindo para isso ao hospital as vezes que sejam necessarias.
Artigo 12º - Incumbe egualmente ao director providenciar acerca das faltas commettidas por qualquer empregado do estabelecimento, quando seja necessário remediá-las promptamente, sem prejuízo porem das attribuições que a tal respeito são conferidas á junta, á qual dará conta na sua primeira sessão.
Artigo 13º - Ao director do hospital pertence resolver sobre a admissão dos doentes que pretendam tratamento gratuito d’entro do hospital e apreciar os attestados comprovativos da sua pobreza passados pelo regedor, auctoridade policial ou admministractiva, podendo contudo admitti-los por conhecimento proprio sem nenhum daquelles attestados.

Capítulo VI
- Enfermarias –

Artigo 14º - Haverá neste hospital pelo menos duas enfermarias, uma para homens e outra para mulheres, compostas cada uma das salas necessarias para conter as camadas dos doentes em tratamento no mesmo hospital.
Artigo 15º - Cada enfermaria terá segundo o sexo dos doentes um enfermeiro ou enfermeira e um ajudante, sendo necessário.
Artigo 16 º - Aos enfermeiros cabe a principal responsabilidade de todos os serviços da sua enfermaria, e são os seguintes:
1º - Vigiar os doentes, apresentando-lhes todos os cuidados para sua limpeza e conforto.
2º - Acompanhar o clínico na sua visita e por essa ocasião informá-lo de tudo o que se passou na enfermaria desde a ultima visita.
3º - Dirigir e fiscalizar a admministração das dietas e medicamentos e fazer a sua applicação conforme as prescripções do clínico.
Artigo 17º - Se houver irmãs hospitaleiras ou membros d’outro qualquer instituto religioso que se prestem ao serviço de enfermeiros, serão preferidos para esses logares.
Artigo 18º -  Aos ajudantes que forem necessários pertence:
1º - Obedecer, respeitar e fazer todo o serviço que lhes for determinado pelo enfermeiro.
2º - Fazer as camas dos doentes diariamente ou todas as vezes que seja preciso, e, assim, também a limpeza e lavagem da infermaria, remoção das roupas sujas para o depósito e tudo o mais que lhes seja ordenado.
3º - Tratar com toda a caridade e paciencia os doentes, assistindo-lhes todo o tempo que poderem, distribuindo-lhes as dietas e rações e medicamentos ás horas competentes, conforme o enfermeiro determinar.
4º - Lavar e limpar os talheres, as louças, a cozinha e suas dependencias do Hospital.
§ único – Não havendo ajudante todo o referido serviço, será feito pelos enfermeiros.

Capítulo VIII
- Serviço medico –

Artigo 19º - O serviço medico, enquanto o hospital não tiver rendimentos para clínico privativo seu, será feito por um facultativo com quem a junta contractar o mesmo serviço.
Artigo 20º - A nomeação do facultativo privativo do hospital pertence á junta de parochia e só poderá ser feita nos termos e conforme o que se acha estatuído no codigo admministrativo para a nomeação dos facultativos municipaes.
Artigo 21º - O facultativo nomeado é obrigado a fazer todo o serviço médico e cirúrgico dos doentes recolhidos no hospital e também a dar gratuitamente consultas e tratamento aos doentes pobres escternos que alli forem para tal fim.
Artigo 22º - Os doentes particulares em tratamento no hospital pagarão separadamente as operações de que necessitarem e as conferencias que reclamarem.
Artigo 23º - Compete ao facultativos do hospital convocar os collegas que julgar necessários para conferências ou operações.
Artigo 24º - Sobre as horas e os dias de serviço combinará o facultativo com o director do hospital observando os avisos e determinações do mesmo.
Artigo 25º - Quando os recursos do hospital i permittirem e as necessidades do serviço o escigirem, haverá mais um facultativo ausciliar que será nomeado conforme o estabelecido para o facultativo privativo.

Capítulo VIII
- Disposições geraes –
Artigo 26º - A distribuição das refeições aos enfermos será: o almoço ás 7 horas, o jantar ao meio dia e a ceia ás 7 horas da tarde.
Artigo 27º - Os doentes particulares terão roupas e louças especiaes.
Artigo 28º -  A roupa e quasquer outros valores dos doentes pobres fallecidos ficam a pertencer ao hospital. Podem porem esses objectos ser reclamados pelos herdeiros do finado, quando pagarem o tratamento á razão de 400 reis por dia.
Artigo 29º - Se o doente pobre fallecer até ao 3º dia da sua admissão no hospital pode o director ou quem suas vezes fizer, entregar o espolio aos herdeiros.
Artigo 30º - O espolio dos doentes particulares, que fallecerem, pertence aos herdeiros; porem se o não reclamarem d’entro de seis mezes, ficará pertencendo ao hospital, que o venderá applicando o producto para fundos do mesmo hospital.
Artigo 31º - É escpressamente proibido aos empregados pedir dinheiro aos doentes, ou qualquer objecto, ainda que emprestado, ou que especulem por qualquer forma com seus soffrimentos, sob pena de demissão.
Artigo 32º - O pessoal da cosinha compõe-se dum cosinheiro ou cosinheira, d’um creado ou creada, os quaes farão o serviço da cosinha e seus dependentes e outros que superiormente lhes fôr ordenado.
Artigo 33º - Nos casos omissos nestes estatutos observar-se-ha o disposto no codigo admministrativo em tudo que possa ser applicado.
Artigo 34º - A junta de parochia fará os regulamentos que forem necessários para a vida interna do hospital, os quaes serão submettidos á approvação tutelar.

A Junta de Parochia de Brunhais conforma-se e approva os presentes estatutos.
Brunhaes, 4 de Outubro de 1903 e tres
O Presidente Julio José Antunes
Os vogais Luiz Vieira de Araujo e Hilario José de Mattos
(anexo 2)
Alvará de aprovação do estatuto do Hospital de Brunhais

D. Thomaz d’Almeida Manuel de Vilhena
Governador Civil do Districto de Braga,
Visto e examinado o estatuto porque pretende reger-se o Hospital de Brunhaes, do concelho da Povoa de Lanhoso, d’este districto, fundado pelo benemerito cidadão d’aquela freguesia Francisco Xavier da Cruz Araújo:
Visto o artigo 252 nº 8 do Codigo Administrativo; e tendo sido ouvida a Commissão districtal e sendo-lhe favoravel o parecer do respectivo administrador do concelho:
Concedo approvação do estatudo do referido Hospital de Brunhaes, que consta de oito capítulos, trinta e quatro artigos e baixa com este alvará, depois de auttenticado pelo Secretário geral.
Não paga direitos de mercê nem imposto do selo pela isenção que lhe concede a tabela anexa ao Decreto de 16 d’agosto de 1898 e verba IX d’ “outras isenções” da tabela geral da lei do selo de 24 de Maio de 1902.
Dado e passado sob o selo d’armas do Governo Civil de Braga, em 29 de dzembro de 1903 (e tres).
D. Manuel Vilhena[81]





* Licenciado em História pela Universidade do Minho, onde é Doutorando em História Contemporânea. É Bolseiro da FCT - Fundação para a Ciência e a Tecnologia. e Membro do CITCEM/UM.
Para citação: Coelho, José Abílio, Apoio privado à pobreza: a influência do “catolicismo social” no legado de Francisco Xavier da Cruz Araújo, in: Araújo, Maria Marta Lobo de; Esteves; Alexandra (ccord.), “Marginalidade. Pobreza e respostas sociais na península ibérica (séculos XVI-XX), Braga, Centre de Investigação Transdisciplinar Cultura, Espaço e Memória/Universidade do Minho, 2011, pp. 233-251.
[1] Lopes, Maria Antónia, “Os pobres e a assistência pública”, in Mattoso, José, História de Portugal, Vol. 5, Lisboa, Círculo de Leitores, 1993, pp. 500. Para a mesma temática, cf. entre outros: Lopes, Maria Antónia; Paiva, José Pedro, “Introdução”, in Portugaliae Monumenta Misericordiarum. Tradição e modernidade: o período da monarquia constitucional (1834-1910), vol. 8, Lisboa, União das Misericórdias Portuguesas, 2010, pp. 7-30.
[2] Para um melhor conhecimento desta questão, cf. Frada, João; Miguel, José Pereira, “A Direcção-Geral de Saúde -  Notas Históricas”, Lisboa, 2006, http://www.insa.pt/sites/INSA/SiteCollectionDocuments/ADGSnotashistoricas.pdf [Online, 09/04/2011 às 17.00h].
[3] Cf. Arquivo Municipal da Póvoa de Lanhoso (doravante AMPL), Livros de actas da câmara, livro nº. 16, fl. 35v.-37.
[4] Para um melhor conhecimento da filantropia dos “brasileiros” após o seu regresso a Portugal, cf. Araújo, Maria Marta Lobo de, “Os brasileiros nas Misericórdias do Minho (séculos XVII-XVIII), in As Misericórdias, Cuiabá (Brasil), Carlini & Caniato Editorial, 2009, pp. 229-260.
[5] Arquivo Distrital de Braga (doravante ADB), Paroquiais, Brunhais, Póvoa de Lanhoso, nº 16, fl. 152v.
[6] ADB, Inventários Orfanológicos – Póvoa de Lanhoso, Proc.º nº. 3454, fls.450-450v.
[7] ADB, Paroquiais, Brunhais, livro nº 20, fl. 64;
[8] ADB, Paroquais, Brunhais, livro nº 20, fl.78v.
[9] Para um melhor conhecimento desta temático, cf. entre outros: Costa, Fernando Dores, Prazos, Sucessão e Poder Paternal no Minho: A livre nomeação contra a transmissão igualitária (contribuição para o seu estudo), in “Revista de História e Economia Social”, nº 26 (Maio-Agosto 1989), Livraria Sá da Costa Editora, 1989, pp. 85-118. Durães, Margarida, Herdeiros e Não Herdeiros: Nupcialidade e Celibato no contexto da propriedade enfiteuta, in “Revista de História e Economia Social”, nº 21 (Setembro-Dezembro 1987), Livraria Sá da Costa Editora, 1987, pp. 47-56.
[10] O casal tivera mais dois filhos, Bento e Thereza, que eram já mortos quando os pais fizeram o seu testamento comum, em 13 de Maio de 1856. Cf. ADB, Inventários Orfanológicos – Póvoa de Lanhoso, Proc.º nº. 38, fl. 49v.
[11] Cf. Código Administrativo de 1867, Secção III, Art.º 1744, pág. 299, que diz: “Legítima é a porção de bens, de que o testador não póde dispor, por ser applicada pela lei aos herdeiros em linha recta ascendente, ou descendente”.
[12] ADB, Inventários Orfanológicos – Póvoa de Lanhoso, Proc.º nº. 38, fls. 3v.-4.
[13] Arquivo Municipal da Póvoa de Lanhoso (doravante AMPL), Testamentos, livro 30, p. 18.
[14] ADB, Inventários Orfanológicos – Póvoa de Lanhoso, Proc.º nº. 38, fl. 220v.
[15] ADB, Fundos Notariais – Póvoa de Lanhoso, Livro nº 830, fls. 23-23v.
[16] ADB, Fundos Notariais – Póvoa de Lanhoso, Livro nº 830, fls. 23-23v.
[17] A Casa do Alferes da Torre (diferente da Casa do Torre de Sequeiros, na mesma freguesia de Brunhais), pertencia, em 1901, a Francisco Xavier da Cruz Araújo, ano em que esta a legou, integrada no património que devia constitui o fundo para a construção e manutenção do Hospital de Brunhais, tendo-a inclusive indicado no seu testamente como aquela onde lhe parecia mais conveniente a instalação do referido hospital.
A casa veio parar às suas mãos por morte de seu irmão Domingos que, por sua vez, a comprara em 1870, quando pertencia aos bens herdados de seu pai pelo menor Belino, filho de Inácio José da Cruz Vieira (1823-1869). Este Inácio da Cruz Vieira, descendente dos fundadores da Casa do Alferes da Torre, morreu solteiro em 1869, deixando um filho natural com Joaquina Fernandes, solteira, da casa da Eira de Covas. Em testamento feito em 1867, deixou os seus bens a este filho, que, depois de passar pela Roda de Guimarães, lhe foi entregue para ser criado em sua companhia. Contudo, como os débitos de Inácio José da Cruz Vieira, à data da sua morte, fossem muitos, o juizado dos órfãos, apoiado pelo Conselho de Família do menor, entendeu vender partes da herança. Foi assim que o Dr. Domingos da Cruz Araújo arrematou para si em hasta pública pela quantia de 1:481$000 a Casa e parte da quinta que a rodeava.
A casa pertenceu a António da Cruz Vieira (1672-1752), filho de Lourenço da Cruz Vieira e se de sua mulher Briolanja Tinoco, passando sucessivamente por: Antónia Maria Tinoco (1721-1775); Teresa Maria da Cruz (1759-1815); Francisco José da Cruz (n. 1789); Inácio José da Cruz Vieira (1823-1869); Belino (filho natural de Inácio José da Cruz Vieira). Cf. ADB, Inventários Orfanológicos – Tribunal da Póvoa de Lanhoso, processo nº 2924. Veja-se, ainda, NÓBREGA, Artur Vaz-Osório da, Pedras de Armas e Armas Tumulares do Distrito de Braga. Concelhos de Vieira do Minho e Póvoa de Lanhoso (Vol. IV), Braga, Junta Distrital de Braga, 1974, pp. 209-211.
[18] ADB, Inventários Orfanológicos – Póvoa de Lanhoso, processo nº 2924, fls. 110-110v.
[19] ADB, Paroquiais de Brunhais, livro nº 337, fl.12.
[20] ADB, Paroquiais de Brunhais, livro nº 337, fl.13v..
[21] ADB, Paroquiais de Brunhais, livro nº 337, fl.16v.
[22] ADB, Paroquiais de Brunhais, livro nº 337, fl.36.
[23] À morte de Libânia Rosa, candidatou-se como seu co-herdeiro João António Rodrigues Esteves, seu tio paterno. O tribunal da Póvoa de Lanhoso, que julgou o processo, destinou um conto e oitocentos dos cerca de sete contos em que os bens até então mantidos em comum foram avaliados no Inventário Orfanológico aberto por Francisco Xavier. Mas o tribunal ressalvou que Rodrigues Esteves só teria direito a receber esse dinheiro após a morte de Francisco Xavier, dado este possuir todos os bens familiares em reserva de vida. À sua morte, serão as filhas de Rodrigues Esteves a receber a parte que caberia a seu pai. Cf. ADB, Inventários Orfanológicos – Póvoa de Lanhoso, Proc.º nº. 38, fl. 49v.
[24] ADB, Paroquiais de Brunhais, livro nº 337, fl. 46. Libânia Rosa faleceu aos 7 de Janeiro de 1897.
[25] O testamento está datado de seis de abril de 1901, tinha Francisco Xavier 83 anos de idade.
[26] ADB, Fundos Notariais, livro 258, 26v.-27.
[27] ADB, Fundos Notariais – Póvoa de Lanhoso, Livro nº 258, fls. 27v.-28
[28] Pe. Júlio José Antunes, pároco encomendado de Brunhais e testamenteiro de Francisco Xavier da Cruz Araújo, nasceu em Travassos, Póvoa de Lanhoso, no dia 22 de Outubro de 1871 e faleceu em Brunhais em 1942.
[29] ADB, Fundos Notariais – Póvoa de Lanhoso, Livro nº 258, fls. 27v.-28
[30] ADB, Fundos Notariais – Póvoa de Lanhoso, Livro nº 259, fl. 3v.
[31] ADB, Fundos Notariais – Póvoa de Lanhoso, Livro nº 259, fl. 4v.
[32] ADB – Paroquiais, Brunhais, Póvoa de Lanhoso, óbitos, liv. 338 (1899-1902), p. 8
[33] Cruz, Manuel Braga da, As origens da democracia cristã e o salazarismo, Lisboa, Editorial Presença, 1980, p. 60.
[34] AJFB, Livro de Contas da Junta de Paróquia, nº 8, fl. 15.
[35] Para um melhor conhecimento desta temática, cf. para além da citada obra de CRUZ, Manuel Braga da, Volovitch, Marie-Christine, “As organizações católicas perante o movimento operário em Portugal (1900-12)”, in Análise Social, vol. XVIII (72-73-74), 1982-3.º-4.º-5.º, pp. 1197-1210.
[36] Arquivo da Junta de Freguesia de Brunhais (doravante AJFB), Actas (1898-1908), fl. 39v.
[37] ADB, Inventários Orfanológicos – Póvoa de Lanhoso, Proc.º nº. 3454
[38] AJFB, Actas (1898-1908), fl. 41.
[39] Arquivo do Governo Civil de Braga, copiador (1903-1907), fl. 19.
[40] Volovitch, Marie-Christine, O. c., p. 1197.
[41] Para um melhor conhecimento do aparecimento destes movimentos e do seu impacto na sociedade portuguesa, urbana e rural, cf. Mónica, Maria Filomena – O Movimento Socialista em Portugal (1875-1934), Lisboa, IN-CM, 1985.
[42] Para aprofundar a problemática do anticlericalismo português e as relações entre o Estado e a Igreja durante a Monarquia Constitucional, cf. Dias, Geraldo J. A. Coelho – “Igreja, Igrejas e Culto”, in Nova História de Portugal (Direcção de Joel Serrão e A. H. de Oliveira Marques), Vol. X, Lisboa, Editorial Presença, 2004, pp. 269-301.; Marques, A. H de Oliveira, “A Questão Religiosa”, in A Primeira República Portuguesa: Para uma visão estrutural, Lisboa, Livros Horizonte, 1970, pp.65-76.
[43] ADB, Fundo do Governo Civil de Braga, Distrito Administrativo, Obras, processo nº 390, documentos avulso.
[44] ADB, Inventários Orfanológicos – Póvoa de Lanhoso, Proc.º nº. 3454, fl. 97
[45] ADB, Inventários Orfanológicos – Póvoa de Lanhoso, Proc.º nº. 3454, fl. 97
[46] ADB, Inventários Orfanológicos – Póvoa de Lanhoso, Proc.º nº. 3454, fl. 277-278.
[47] ADB, Inventários Orfanológicos – Póvoa de Lanhoso, Proc.º nº. 3454, fl. 279.
[48] ADB, Inventários Orfanológicos – Póvoa de Lanhoso, Proc.º nº. 3454, fl. 345v.-246.
[49] ADB, Inventários Orfanológicos – Póvoa de Lanhoso, Proc.º nº. 3454, fl. 544.
[50] Estas três candidatas são filhas de João António Rodrigues Esteves, co-herdeiro com Francisco Xavier da Cruz Araújo na herança da sobrinha comum, Libânia.
[51] ADB, Inventários Orfanológicos – Póvoa de Lanhoso, Proc.º nº. 3454, fl. 447.
[52] “O Castelo de Lanhoso”, nº 80, de 13.06.1908.
[53] “O Castelo de Lanhoso”, nº 85, de 18.07.1908.
[54] ADB, Fundo do Governo Civil, processo nº 1068.
[55] “O Castelo de Lanhoso”, nº 114, de 21.08.1909.
[56] Para um melhor conhecimento dos últimos anos da Monarquia em Portugal, cf. Magalhães, Joaquim Romero de, Vem aí a República! 1906-1910, Coimbra, Almedina, 2009.
[57] AJFB, Actas (1910-1919), fl.
[58] Arquivo Paroquial de Brunhais, Duplicado: Districto Administractivo do Braga, Concelho da Póvoa de Lanhoso, Freguesia de Brunhais. Projecto para um modesto hospital a construir na freguesia acima referida com o legado do benemerito Francisco Xavier da Cruz Araujo. Desenhos e peças escriptas, s/data, atado de documentos existente no cofre da igreja.
[59] ADB, Fundo do Governo Civil de Braga, Distrito Administrativo, Obras, processo nº 390, documentos avulso.
[60] ADB, Fundo do Governo Civil de Braga, Distrito Administrativo, Obras, processo nº 390, documentos avulso.
[61] AJFB, Actas (1910-1919), fls. 26v.-27. “A junta reuniu para receber do testamenteiro os bens que aquela devia administrar (…), aceitou-os e deu as contas por boas”.
[62] AJFB, livros de Actas (1910-1919), fl. 30v.
[63] ADB, Inventários Orfanológicos – Póvoa de Lanhoso, Proc.º nº. 3454, fl. 544.
[64] ADB, Inventários Orfanológicos – Póvoa de Lanhoso, Proc.º nº. 3454, fl. 549.
[65] A recusa mantém-se a partir de 1928, dada da fundação da “Misericórdia e Hospital António Lopes”, que, no Capítulo II, Art.º doze e reze dos seus estatutos, regista: “São aceites para tratamento gratuito nas enfermarias do Hospital os doentes pobres do concelho da Póvoa de Lanhoso, especialmente os da freguesia de Fonte Arcada, conforme a vontade do fundador expressamente manifestada no seu testamento, tendo parecer favorável do clínico aceitante; A admissão ordinária nas enfermarias e quartos é feita pelo Director; Não poderão, porém, ser aceites: Primeiro: Os doentes pobres da freguesia de Brunhais”. Cf. Arquivo da Santa Casa da Misericórdia da Póvoa de Lanhoso, Livro de Actas nº 1 (de sete de Dezembro de 1929 a 15 de Março de 1957), p. 19.
[66] Frada, João, A Gripe Pneumónica em Portugal Continental - 1918 – Estudo socioeconómico e epideológico, Lisboa, Sete Caminhos, 2005.
[67] AJFB, Actas (1910-1919), fl. 46.
[68] AJFB, Livros de Actas (1919-1942), fls. 11v.-14.
[69] AJFB, Actas (1919-1942), fl. 11v.-13v.
[70] AJFB, Actas (1919-1942), fl. 13v.
[71] AJFB, Actas (1919-1942), fl. 14-14v.
[72] AJFB, Actas (1919-1942), fl. 16
[73] AJFB, livros de contas, nº 1, fl. 57. Neste ano a Junta despendeu com remédios para os pobres a quantia de 188$00.
[74] AJFB, Actas (1919-1942), fl. 70.
[75] Volovitch, Marie-Christine, O. c., p. 1197.
[76] AJFB, Actas (1898-1908), fl. 46v.; Actas (1910-1919), fl.1.
[77] AJFB, Actas (1910-1919), fls. 1-3.
[78] AJFB, Actas (1910-1919), fls. 26v-27.
[79] AJFB, Actas (1910-1919), fls. 46-47v.
[80] ADB – Fundo do Governo Civil de Braga, Assembleia Distrital, pasta nº. 1068
[81] Arquivo do Governo Civil de Braga, Alvarás (Copiador) (1903-1907), fl. 19